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o maratonista
Sem pressa, anfitriões narigudos, meio desengonçados e muito atenciosos usam o diálogo do "parakaló" para ajudar quem chega a Atenas, mesmo os que conhecem pouco mais do que a palavra mágica grega: "parakaló"
Espírito GREGUÊS
PAULO SAMPAIO
ENVIADO ESPECIAL A ATENAS
Atenas, primeira impressão: sol,
montanhas, ruínas, gente autêntica, ruidosa e nariguda. O resultado é harmônico, tem a ver com o
calor seco do verão e combina
com a dramaticidade da língua
rascante. Apesar do jeitão meio
tosco, o ateniense está sempre disposto a ajudar e é capaz de levar o
visitante até a rua apontada no
mapa. Qualquer informação pedida atrai um bolo de gente. "Parakaló" é uma palavra-chave: significa "por favor", mas costuma
ser usada como um curinga até
para atender ao telefone.
O problema, justamente, para
quem sabe poucas palavras em
grego, é dizer "parakaló", ouvir de
volta "parakaló", repetir "parakaló" e não sair disso. Em sua disposição para entender o que o estrangeiro diz, o grego só perde para o brasileiro.
No trajeto do aeroporto de Eleferios Venizelos até o hotel, cerca
de meia hora, o rádio do ônibus
toca música grega: a intérprete
soa como um misto de Mercedes
Sosa e Amália Rodrigues. "Ela é
fantástica", diz em "greguês" o
motorista, de rabo de cavalo longo e nariz tipo quilha, beijando a
ponta dos dedos juntos. "Canta
sempre como se tivesse acabado
de se separar do marido!"
Atenas tem prédios baixos com
varandas e toldos grandes, como
em algumas cidades da
Espanha; o trânsito flui,
tudo parece muito organizado e há um excesso
de policiais na rua. Mas
os próprios gregos afirmam que foi um esforço
olímpico de última hora. "Essa Atenas é uma
mentira. O governo tirou da cidade tudo o
que não é bonito de se
ver", diz Dimitri, um
professor de grego, e
Teodoros, que aluga
carros.
Ao chegar ao hotel, o
hóspede deve submeter
todos os pertences ao
raio-X, um processo
que, por causa do calor
sufocante, parece exigir
uma dose extra de paciência -que deve ser
renovada a cada dia, ainda mais
porque a revista inclui também o
carro, toda vez que se cruza o portão do estacionamento.
Na recepção, o grupo é recebido
por uma espécie de Penélope
Cruz grega. Ela e mais um time de
uniformizados ensaiados (mas
desconjuntados) se desconcentram com a primeira brincadeira
que se faça. A impressão é a de
que são muitas pessoas para atender pouca gente, e todas olham
curiosas para quem chega, como
crianças quando tem visita nova
em casa. Para quem gosta de conversar, a recepção é o melhor lugar do hotel: as meninas adoram
ser entrevistadas.
"O nome dela quer dizer "amor"
em grego", diz Yvoni, olhando
para sua colega Agapi. "Amor"
confirma com a cabeça, sorrindo,
num gesto que ela parece repetir
pela milésima vez.
"Penélope" (cujo nome é Maria
Petsali) posa para a foto, fingindo
estar sem graça.
Enquanto isso, Giorgios tenta
resolver o problema do cartão de
telefone que não funciona, Sharif
não acha a reserva do quarto no
computador e Konstantinos informa que o restaurante só abre
no dia seguinte. Embora o lugar
seja muito novo, e as acomodações bastante decentes, tudo
apresenta um demorado porém,
o que logo em seguida se entende
que é parte do ritmo grego.
Hora de dormir: amanhã começa a jornada da cidade de
Maratona até Atenas,
trajeto que será cumprido um pouco a cada dia,
até o fim dos Jogos. A
idéia é fazer um diário
sobre o que acontece a
cada quilômetro.
Didatismo rápido: a
rota é praticamente a
mesma que, em 490 a.C.,
foi atravessada pelo
mensageiro Pheidipedes. Segundo contam, o
mensageiro teria corrido
40 km para avisar em
Atenas a vitória dos gregos em uma batalha contra os persas. Ao chegar,
logo após dar a notícia,
Pheidipedes caiu morto.
Para evitar o mesmo
destino, esta maratona
será feita aos poucos...
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