São Paulo, quarta-feira, 11 de agosto de 2004

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o maratonista

Sem pressa, anfitriões narigudos, meio desengonçados e muito atenciosos usam o diálogo do "parakaló" para ajudar quem chega a Atenas, mesmo os que conhecem pouco mais do que a palavra mágica grega: "parakaló"

Espírito GREGUÊS

PAULO SAMPAIO
ENVIADO ESPECIAL A ATENAS

Atenas, primeira impressão: sol, montanhas, ruínas, gente autêntica, ruidosa e nariguda. O resultado é harmônico, tem a ver com o calor seco do verão e combina com a dramaticidade da língua rascante. Apesar do jeitão meio tosco, o ateniense está sempre disposto a ajudar e é capaz de levar o visitante até a rua apontada no mapa. Qualquer informação pedida atrai um bolo de gente. "Parakaló" é uma palavra-chave: significa "por favor", mas costuma ser usada como um curinga até para atender ao telefone.
O problema, justamente, para quem sabe poucas palavras em grego, é dizer "parakaló", ouvir de volta "parakaló", repetir "parakaló" e não sair disso. Em sua disposição para entender o que o estrangeiro diz, o grego só perde para o brasileiro.
No trajeto do aeroporto de Eleferios Venizelos até o hotel, cerca de meia hora, o rádio do ônibus toca música grega: a intérprete soa como um misto de Mercedes Sosa e Amália Rodrigues. "Ela é fantástica", diz em "greguês" o motorista, de rabo de cavalo longo e nariz tipo quilha, beijando a ponta dos dedos juntos. "Canta sempre como se tivesse acabado de se separar do marido!"
Atenas tem prédios baixos com varandas e toldos grandes, como em algumas cidades da Espanha; o trânsito flui, tudo parece muito organizado e há um excesso de policiais na rua. Mas os próprios gregos afirmam que foi um esforço olímpico de última hora. "Essa Atenas é uma mentira. O governo tirou da cidade tudo o que não é bonito de se ver", diz Dimitri, um professor de grego, e Teodoros, que aluga carros.
Ao chegar ao hotel, o hóspede deve submeter todos os pertences ao raio-X, um processo que, por causa do calor sufocante, parece exigir uma dose extra de paciência -que deve ser renovada a cada dia, ainda mais porque a revista inclui também o carro, toda vez que se cruza o portão do estacionamento.
Na recepção, o grupo é recebido por uma espécie de Penélope Cruz grega. Ela e mais um time de uniformizados ensaiados (mas desconjuntados) se desconcentram com a primeira brincadeira que se faça. A impressão é a de que são muitas pessoas para atender pouca gente, e todas olham curiosas para quem chega, como crianças quando tem visita nova em casa. Para quem gosta de conversar, a recepção é o melhor lugar do hotel: as meninas adoram ser entrevistadas.
"O nome dela quer dizer "amor" em grego", diz Yvoni, olhando para sua colega Agapi. "Amor" confirma com a cabeça, sorrindo, num gesto que ela parece repetir pela milésima vez.
"Penélope" (cujo nome é Maria Petsali) posa para a foto, fingindo estar sem graça.
Enquanto isso, Giorgios tenta resolver o problema do cartão de telefone que não funciona, Sharif não acha a reserva do quarto no computador e Konstantinos informa que o restaurante só abre no dia seguinte. Embora o lugar seja muito novo, e as acomodações bastante decentes, tudo apresenta um demorado porém, o que logo em seguida se entende que é parte do ritmo grego.
Hora de dormir: amanhã começa a jornada da cidade de Maratona até Atenas, trajeto que será cumprido um pouco a cada dia, até o fim dos Jogos. A idéia é fazer um diário sobre o que acontece a cada quilômetro.
Didatismo rápido: a rota é praticamente a mesma que, em 490 a.C., foi atravessada pelo mensageiro Pheidipedes. Segundo contam, o mensageiro teria corrido 40 km para avisar em Atenas a vitória dos gregos em uma batalha contra os persas. Ao chegar, logo após dar a notícia, Pheidipedes caiu morto.
Para evitar o mesmo destino, esta maratona será feita aos poucos...


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