São Paulo, sábado, 11 de agosto de 2007

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JOSÉ GERALDO COUTO

Virar casaca

O presidente do Corinthians tocou num tabu antigo ao se declarar ex-palmeirense; mas qual é o problema?

O NOVO presidente do Corinthians, Clodomil Orsi, mexeu num vespeiro ao declarar à Folha, candidamente, que torceu pelo Palmeiras até os nove anos e que só se tornou corintiano ao brigar com o irmão por causa de uma figurinha carimbada. Coisa mais lírica.
Anteontem, no Parque Antarctica, ao entrar em campo pelo Internacional, o volante Magrão, que durante anos deu literalmente o sangue pelo Palmeiras, recebeu sonora vaia da torcida alviverde. Esta não perdoa a temporada que ele passou no arqui-rival Corinthians. Essas duas histórias reafirmam a velha idéia de que um homem pode mudar de mulher, de emprego, de partido, de nacionalidade e até de sexo, mas não pode mudar de time. Virar a casaca, no mundo do futebol, é crime inafiançável.
Já comunguei dessa crença. Hoje a acho meramente divertida e, no fundo, injustificável. Se é difícil, no mais das vezes, saber o que leva um indivíduo a escolher um clube para torcer, por que seria menos insondável a decisão de trocar de cores? Você já parou para pensar por que torce por este ou aquele time? É possível que nem saiba, que essa escolha tenha se perdido nas brumas da memória. Alguns seguem a opção do pai; outros, ao contrário, resolvem contrariá-la. (No Brasil, a escolha clubística deveria ser tema obrigatório nos consultórios psicanalíticos.) Uns escolhem pela cor da camisa, outros por devoção a um craque carismático. A emoção do primeiro jogo visto no estádio pode levar a uma identificação duradoura com um time.
Meu irmão nutriu desde a infância uma raiva do Palmeiras que provinha de motivo absolutamente fútil. Como a TV era em preto-e-branco, os atletas palmeirenses, de meias verdes, davam a impressão de estar jogando sem meias, e aquilo parecia a ele "o cúmulo da várzea". Ou seja, se a TV em cores tivesse chegado antes ao Brasil, talvez meu irmão gostasse do Palmeiras. Bendito atraso tecnológico. Em seu livro sobre o Fluminense, na coleção Camisa 13, Nelson Motta abre o texto com uma frase corajosa: "No começo, eu era Flamengo". É possível que muitos tricolores empedernidos e de pouca imaginação tenham fechado o livro ali mesmo. Pior para eles.
Por que um profundo desgosto, uma crise pessoal ou uma mudança de opinião não podem levar um torcedor a deslocar seu afeto e sua lealdade para outra camisa? Confesso que já pensei em deixar de ser corintiano. Até tentei, mas não consegui. Nos últimos anos, motivos de desgosto não faltaram: Dualib, MSI, Kia, Passarella, Leão.
Esclareço que o desgosto não tem a ver com derrotas ou vitórias: nunca fui mais corintiano do que nos anos da longa fila. Como o transplantado da marchinha de carnaval, tentei trocar de coração, mas botaram outro coração corintiano. Gostar de um time é como continuar amando a mulher que não quer mais saber da gente. Vê-lo em campo é como ver a malvada "nos braços de um outro qualquer". É renovar o sofrimento. Dor de torcedor, como dor de corno, se auto-alimenta. Por isso, em vez de condenar, até invejo quem consegue se libertar dessa condenação eterna.

jgcouto@uol.com.br


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