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JOSÉ GERALDO COUTO
Virar casaca
O presidente do Corinthians tocou num tabu antigo ao se declarar ex-palmeirense; mas qual é o problema?
O
NOVO presidente do Corinthians, Clodomil Orsi, mexeu num vespeiro ao declarar à Folha, candidamente, que
torceu pelo Palmeiras até os nove
anos e que só se tornou corintiano
ao brigar com o irmão por causa de
uma figurinha carimbada. Coisa
mais lírica.
Anteontem, no Parque Antarctica, ao entrar em campo pelo Internacional, o volante Magrão, que
durante anos deu literalmente o
sangue pelo Palmeiras, recebeu sonora vaia da torcida alviverde. Esta
não perdoa a temporada que ele
passou no arqui-rival Corinthians.
Essas duas histórias reafirmam a
velha idéia de que um homem pode
mudar de mulher, de emprego, de
partido, de nacionalidade e até de
sexo, mas não pode mudar de time.
Virar a casaca, no mundo do futebol, é crime inafiançável.
Já comunguei dessa crença. Hoje
a acho meramente divertida e, no
fundo, injustificável. Se é difícil, no
mais das vezes, saber o que leva um
indivíduo a escolher um clube para
torcer, por que seria menos insondável a decisão de trocar de cores?
Você já parou para pensar por
que torce por este ou aquele time?
É possível que nem saiba, que essa
escolha tenha se perdido nas brumas da memória. Alguns seguem a
opção do pai; outros, ao contrário,
resolvem contrariá-la. (No Brasil, a
escolha clubística deveria ser tema
obrigatório nos consultórios psicanalíticos.) Uns escolhem pela cor
da camisa, outros por devoção a
um craque carismático. A emoção
do primeiro jogo visto no estádio
pode levar a uma identificação duradoura com um time.
Meu irmão nutriu desde a infância uma raiva do Palmeiras que
provinha de motivo absolutamente fútil. Como a TV era em preto-e-branco, os atletas palmeirenses, de
meias verdes, davam a impressão
de estar jogando sem meias, e aquilo parecia a ele "o cúmulo da várzea". Ou seja, se a TV em cores tivesse chegado antes ao Brasil, talvez meu irmão gostasse do Palmeiras. Bendito atraso tecnológico.
Em seu livro sobre o Fluminense, na coleção Camisa 13, Nelson
Motta abre o texto com uma frase
corajosa: "No começo, eu era Flamengo". É possível que muitos tricolores empedernidos e de pouca
imaginação tenham fechado o livro
ali mesmo. Pior para eles.
Por que um profundo desgosto,
uma crise pessoal ou uma mudança de opinião não podem levar um
torcedor a deslocar seu afeto e sua
lealdade para outra camisa?
Confesso que já pensei em deixar
de ser corintiano. Até tentei, mas
não consegui. Nos últimos anos,
motivos de desgosto não faltaram:
Dualib, MSI, Kia, Passarella, Leão.
Esclareço que o desgosto não tem a
ver com derrotas ou vitórias: nunca fui mais corintiano do que nos
anos da longa fila. Como o transplantado da marchinha de carnaval, tentei trocar de coração, mas
botaram outro coração corintiano.
Gostar de um time é como continuar amando a mulher que não
quer mais saber da gente. Vê-lo em
campo é como ver a malvada "nos
braços de um outro qualquer". É
renovar o sofrimento. Dor de torcedor, como dor de corno, se auto-alimenta. Por isso, em vez de condenar, até invejo quem consegue se
libertar dessa condenação eterna.
jgcouto@uol.com.br
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