São Paulo, domingo, 12 de fevereiro de 2006

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FUTEBOL

O corpo, a alma e o futebol

TOSTÃO
COLUNISTA DA FOLHA

Há vários olhares para o futebol. Um deles é técnico, tático, racional, consciente, operatório e coletivo. Essa é a visão dos treinadores. Eles, por necessidade, pensam muito no resultado e pouco no espetáculo.
Na Europa, predominam a técnica e a tática sobre a habilidade e a criatividade. Os melhores jogadores executam muito bem todos os fundamentos técnicos da posição e utilizam essa técnica em benefício da equipe.
A técnica pode ser aprendida e aprimorada nas categorias de base dos clubes e durante a carreira. Mas, quando ela é excessivamente repetida, sem improvisação e sem fantasia, acaba se tornando ineficiente e tecnicista.
O outro olhar é para a habilidade, a criatividade e a beleza do espetáculo.
A habilidade é a intimidade com a bola e se manifesta principalmente no drible, como o do jovem Leandro Lima (18 anos), do São Caetano, no zagueiro Marinho, do Corinthians.
Num raríssimo espaço e utilizando as duas pernas, ele driblou e, rapidamente, acertou um belíssimo e calculado chute por cobertura. E ainda muitos disseram que houve falhas do goleiro e do zagueiro.
Diferentemente da técnica, a habilidade é corporal, natural e instintiva. Ela surge e se desenvolve na infância, nos campos de pelada, sem regras e sem professores.
A mistura de raças é um dos motivos da freqüente habilidade dos jogadores brasileiros. Além disso, como o Brasil é um país pobre, os meninos, em vez de passarem todo o dia nas escolas, se divertem com a bola nas ruas.
A habilidade fascina mais do que a técnica. Mas não existe craque sem uma ótima técnica. Por isso, grande número de jovens habilidosos brasileiros fica no meio do caminho. O instinto precisa da razão para sobreviver.
Se a habilidade é uma manifestação instintiva e corporal, e a técnica, um aprendizado consciente, a criatividade tem mais relação com o imaginário e com a fantasia.
O grande craque, além da técnica e da habilidade, antevê o lance, inventa, improvisa e surpreende. Ele sabe antes dos outros.
Como ele sabe? Sabendo. Existe um saber intuitivo que antecede o raciocínio lógico. Ele sabe, mas não sabe que sabe.
Em qualquer atividade, os intuitivos são os melhores, desde que tenham também boa técnica e habilidade. A intuição não é uma solução mágica. É o conhecimento que ainda não foi percebido, racionalizado pela consciência e que, de repente, sem pensar e avisar, surge na mente.
Assim como a habilidade, a criatividade aparece na infância e continua na vida adulta. Em qualquer atividade, brincar com seriedade é a base da imaginação.
Entretanto, para ser um craque, é necessário ainda ter uma ótima capacidade física e emocional. Os campeões são, geralmente, ambiciosos e sabem lidar com as emoções.
O futebol é um jogo de habilidade, inventividade, de técnica e também de muita emoção e de expressão corporal. Um balé. Os sentimentos se manifestam primeiro no corpo antes de chegarem à consciência. O corpo fala primeiro.
"O corpo é a sombra da alma." (Clarice Lispector)

Diabo no corpo
Assim como Torero, Xico Sá e outros, sou contra a troca do tradicional símbolo do América, de diabo para águia, como quer o evangélico e bom treinador Jorginho.
No futebol, o diabo costuma ser uma virtude. Quando um jogador brilha, falam que ele fez diabruras ou que está com o diabo no corpo. Garrincha era chamado de "Anjo Endiabrado". O Manchester United é conhecido como os "Diabos Vermelhos".
Além disso, em proporções bastante variáveis, todos temos dentro de nós um anjo e um diabo, que tentamos controlar.
Hoje, todos que não são botafoguenses vão torcer para os diabinhos do América infernizarem a vida do Botafogo.

Modelo
O São Paulo, além de ter uma diretoria eficiente, que contrata bem e rápido, uma ótima estrutura profissional e excelentes especialistas de apoio aos atletas e aos treinadores, revela muitos bons jogadores.
O jovem Thiago tem grandes chances de se tornar um jogador diferenciado.
Ainda não é.
E-mail tostao.folha@uol.com.br


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