São Paulo, sexta-feira, 12 de junho de 2009

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XICO SÁ

Maria Chuteira, essa heroína


Pobre moça, vai cedo ao CT, acompanha a chatice dos treinos táticos, aguenta os professores e seus 3-3-4...

AMIGO TORCEDOR , amigo secador, na efeméride dos pombinhos, louvação especial àquela moça, pobre moça, normalmente execrada no mundo do futebol. Ela suporta, fiel e resignada, o banco de reservas, ela não nasceu para matriz, amar demais passou a ser o seu defeito, mesmo sendo apenas a filial.
Mais importante do que qualquer camisa 12, ela não treina, não joga, mas é quem salva as concentrações, os Carandirus ludopédicos, do tédio e da miséria humana, reanimando o boleiro para o clássico. É ela quem diz "xô má fase, xô uruca", é na Maria Chuteira que estão os poderes.
A Maria Chuteira está para o atacante em jejum como São Pedro, padroeiro dos pescadores, para os velhos Santiagos que não veem há tempos um grande peixe na rede.
Ela é a Iemanjá dos gramados.
Ninguém beija aliança ou faz o coraçãozinho na mão (como o Pato devoto da sua noiva gazela) para oferecer o gol à nobre moça dos amores clandestinos. Nem quando nasce o seu filho por fora, o atacante faz o gesto inventado pelo Bebeto na Copa de 94 -o nana neném para as câmeras é exclusivo da família oficial.
Pobre moça dos afetos paralelos, és a Maria Madalena do mundo da bola. Meu glorioso Santo Antônio, na véspera da sua data e no Dia dos Namorados, protegei a Maria Chuteira, ela também é filha de Deus.
Tudo bem, moralistas a julgam oportunista, perdoai, eles não sabem o que dizem. Não sabem o peso de ser a outra permanentemente. Boleiro é mais moralista ainda, separa mulher para casar de mulher para o recreativo social clube. Treino é treino, jogo é jogo, vale a máxima do Didi, sempre, ô raça, como blasfemaria o chapa Tutty Vasques.
De todas as Marias, a Maria Chuteira, amigo, é a mais perseguida e folclorizada. Nem a Maria Gasolina sofre tanto na encruzilhada pseudomoral. A Maria Coxia (teatro), a Maria Edital (cinema), a Maria Balão (HQ), a Maria Ervas Finas (chef de cozinha) usufruem sem preconceitos da admiração pelos artistas.
A Maria Teclado, nem se fala, ama jornalistas e escritores e ganha o status de musa. A groupie de astro de rock ou de qualquer garoto de banda, nossa, no problem, amor livre sem os beques morais da sociedade.
Maria Chuteira não, pobre moça.
Ela chega cedo ao CT, acompanha a chatice dos treinos táticos, aguenta os professores Pardais e seus 3-3-4, seus 3-5-2 noves fora nada, espera os cobradores de falta chutarem contra barreiras imaginárias...
Sim, Maria Chuteira, uma heroína. E imagine aguentar o 171 de boleiro nas oiças? Se homem normal já mente à beça, imagine um "migué" ludopédico no juízo. Sorte que é tudo menino, quando acha que está entrando com bola e tudo, ela já está fazendo o teste de DNA na esquina.

Hellcife
Uma semana de doer nas oiças. Imprensa falada e escrita a dizer "em Recife", "enviado a Recife" etc.
Amigo, diga no Recife, o Recife, como brigava Gilberto Freyre com os forasteiros. Dizer em Recife é o mesmo que dizer em Bahia, de Rio etc. A norma, sem querer pagar de Pasquale: todo topônimo originário de um acidente geográfico é antecedido pelo artigo definido. No mais, viva O Recife, sempre, e a desobediência ao restante das regras!

xico.folha@uol.com.br


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