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o maratonista
Passe a tocha
PAULO SAMPAIO
ENVIADO ESPECIAL A MARATONA
Vassili Derdopolos é o nome do
co-piloto que, nesse primeiro dia,
orienta o caminho de Atenas até
Maratona. Vassili aqui é um nome como Manuel em Portugal.
Ele explica que americanos o chamam de Bill. Se alguém se refere a
ele diretamente, deve dizer Vassili; se comenta sobre ele com outra
pessoa, deve chamá-lo Vassilis
-é assim com todos os nomes.
O trajeto a partir do hotel, que
fica em Zographou (leste), segue
basicamente duas avenidas grandes, a Vassilissis Sofias e a Messogion, que dá acesso à avenida Maratona. Os 47 km até a cidade consomem 55 minutos, a uma velocidade média de 50 km/h.
No sentido contrário, milhares
de pessoas aguardam ao longo da
estrada a passagem da segunda
perna grega da tocha olímpica,
que foi acesa na segunda-feira em
Maratona e na sexta-feira deve
chegar ao estádio Panathinaiko,
no centro de Atenas.
Muito festivas, algumas seguram bandeiras da Grécia, outras,
galhos de oliveira -que, acreditam, dá sorte. Alto-falantes repetem dezenas de vezes uma música
que diz mais ou menos "Pegue a
tocha e passe adiante", na voz do
cantor Janis Kotsiras, um dos
mais populares aqui -a melodia
mistura um tom de hino esportivo com baladão romântico, e todos parecem muito
emocionados.
"O que achou de Atenas? Muito bom, bom,
regular ou ruim?", pergunta, querendo confete, o comerciante Petros
Alexandrakis, 47, que
está na porta de sua papelaria com a mulher, as
filhas e a sogra.
Depois de ouvir um
"Excelente!", o comerciante diz: "Eu também
acho!". E oferece um
broche olímpico.
A estrada tem duas
mãos para ir, duas para
voltar, mas a faixa azul
que determina o espaço
onde os maratonistas
vão correr foi pintada
apenas no sentido Maratona-Atenas. Carros credenciados pela organização da Olimpíada podem circular em uma faixa
separada por uma linha vermelha
no asfalto.
Fala-se muito mal do trânsito de
Atenas (inclusive os próprios gregos), mas, para quem fez o CPOR
em São Paulo, o que é uma buzinada a mais na orelha?
A verdade é que, por uma espécie de atavismo intercultural, a
atitude do ateniense ao volante é
parecida com a do motorista brasileiro: volta e meia tem briga de
trânsito, e o machão desce do carro no meio da rua dizendo algo
como "Vai encarar?".
Motoqueiros costuram em alta
velocidade, sem capacete, com
BMWs e Kawasakis, os mais exibidos levando na garupa moças
bronzeadas de pernas de fora,
sandálias altas, blusas decotadas e
cabelos esvoaçantes. Motoristas
de carros envenenados aceleram
por esporte, usam gel no cabelo
com óculos escuros e, à noite, estacionam em qualquer calçada.
Carla Gonçalves, uma amiga
brasileira que mora na Grécia há
dez anos, conta que é comum encontrar no pára-brisa do carro bilhetinhos com um número de celular: "Se estou atrapalhando, me
ligue que venho tirar".
A cidade está mais vazia, segundo o co-piloto Vassilis, porque os
atenienses costumam ir para as
ilhas no verão; restaurada, a estrada para Maratona nem parece a
mesma. "Há dois meses,
os atletas teriam que
competir com tênis para
trekking", ele brinca.
Mesmo que a cidade
não estivesse mais vazia,
seria até covardia comparar, em volume de
carros, poluição e na dimensão das ruas e estradas, o percurso entre
Maratona e o Panathinaiko com o equivalente
paulistano -que iria do
estádio do Pacaembu até
a rodovia Ayrton Senna,
na altura de Mogi das
Cruzes.
Só a marginal já deixaria o soldado Pheidipedes completamente chamuscado pela fumaça
dos caminhões.
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