São Paulo, quinta-feira, 12 de agosto de 2004

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o maratonista

Passe a tocha

PAULO SAMPAIO
ENVIADO ESPECIAL A MARATONA

Vassili Derdopolos é o nome do co-piloto que, nesse primeiro dia, orienta o caminho de Atenas até Maratona. Vassili aqui é um nome como Manuel em Portugal. Ele explica que americanos o chamam de Bill. Se alguém se refere a ele diretamente, deve dizer Vassili; se comenta sobre ele com outra pessoa, deve chamá-lo Vassilis -é assim com todos os nomes.
O trajeto a partir do hotel, que fica em Zographou (leste), segue basicamente duas avenidas grandes, a Vassilissis Sofias e a Messogion, que dá acesso à avenida Maratona. Os 47 km até a cidade consomem 55 minutos, a uma velocidade média de 50 km/h.
No sentido contrário, milhares de pessoas aguardam ao longo da estrada a passagem da segunda perna grega da tocha olímpica, que foi acesa na segunda-feira em Maratona e na sexta-feira deve chegar ao estádio Panathinaiko, no centro de Atenas.
Muito festivas, algumas seguram bandeiras da Grécia, outras, galhos de oliveira -que, acreditam, dá sorte. Alto-falantes repetem dezenas de vezes uma música que diz mais ou menos "Pegue a tocha e passe adiante", na voz do cantor Janis Kotsiras, um dos mais populares aqui -a melodia mistura um tom de hino esportivo com baladão romântico, e todos parecem muito emocionados.
"O que achou de Atenas? Muito bom, bom, regular ou ruim?", pergunta, querendo confete, o comerciante Petros Alexandrakis, 47, que está na porta de sua papelaria com a mulher, as filhas e a sogra.
Depois de ouvir um "Excelente!", o comerciante diz: "Eu também acho!". E oferece um broche olímpico.
A estrada tem duas mãos para ir, duas para voltar, mas a faixa azul que determina o espaço onde os maratonistas vão correr foi pintada apenas no sentido Maratona-Atenas. Carros credenciados pela organização da Olimpíada podem circular em uma faixa separada por uma linha vermelha no asfalto.
Fala-se muito mal do trânsito de Atenas (inclusive os próprios gregos), mas, para quem fez o CPOR em São Paulo, o que é uma buzinada a mais na orelha?
A verdade é que, por uma espécie de atavismo intercultural, a atitude do ateniense ao volante é parecida com a do motorista brasileiro: volta e meia tem briga de trânsito, e o machão desce do carro no meio da rua dizendo algo como "Vai encarar?".
Motoqueiros costuram em alta velocidade, sem capacete, com BMWs e Kawasakis, os mais exibidos levando na garupa moças bronzeadas de pernas de fora, sandálias altas, blusas decotadas e cabelos esvoaçantes. Motoristas de carros envenenados aceleram por esporte, usam gel no cabelo com óculos escuros e, à noite, estacionam em qualquer calçada.
Carla Gonçalves, uma amiga brasileira que mora na Grécia há dez anos, conta que é comum encontrar no pára-brisa do carro bilhetinhos com um número de celular: "Se estou atrapalhando, me ligue que venho tirar".
A cidade está mais vazia, segundo o co-piloto Vassilis, porque os atenienses costumam ir para as ilhas no verão; restaurada, a estrada para Maratona nem parece a mesma. "Há dois meses, os atletas teriam que competir com tênis para trekking", ele brinca.
Mesmo que a cidade não estivesse mais vazia, seria até covardia comparar, em volume de carros, poluição e na dimensão das ruas e estradas, o percurso entre Maratona e o Panathinaiko com o equivalente paulistano -que iria do estádio do Pacaembu até a rodovia Ayrton Senna, na altura de Mogi das Cruzes.
Só a marginal já deixaria o soldado Pheidipedes completamente chamuscado pela fumaça dos caminhões.


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