São Paulo, domingo, 12 de setembro de 2004

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

A saga da pivô cubana Lisdeivi, que veio ao Brasil jogar a Liga Mundial, desertou em Americana e foi contratada pelo Ourinhos para o Nacional

Basquete tira da sombra a primeira atleta refugiada

TATIANA CUNHA
ENVIADA ESPECIAL A OURINHOS

Pela primeira vez na história, uma equipe de ponta do esporte brasileiro irá disputar um torneio nacional com um atleta refugiado.
No país desde maio, a pivô cubana Lisdeivi Victores Pompas, 30, terá a primazia. Contratada pelo Ourinhos (SP), campeão brasileiro de basquete, ela disputará, além do Nacional, os Jogos Abertos, de 20 a 25 deste mês.
Jogadora do Habana, equipe cuja base é a seleção permanente de Cuba, Lis, como é chamada pelas novas amigas, veio ao Brasil disputar a Liga Mundial de clubes.
Chegou a Americana (SP), sede da competição, com uma idéia fixa na cabeça, uma mala de mão, fotos e US$ 400 no bolso. O calendário mostrava o dia 26 de maio.
Cansada da difícil situação econômica que enfrentava em casa, queria um novo lar. Muniu-se de coragem e decidiu: iria desertar.
Nos quatro dias que se seguiram, disputou normalmente a Liga. Até que, na véspera do embarque de volta para sua Havana, resolveu sair em busca de ajuda.
Sem conhecer ninguém na cidade, muito menos no país, foi apresentada ao empresário Alexandre Rodrigues Coelho, 36. Não hesitou. "Cheguei para ele e falei: "Estou decidida. Vou ficar no Brasil. Preciso ficar aqui hoje. Nem que eu tenha que ficar embaixo de uma ponte'", relembra a atleta, formada em educação física.
Não foi necessário. Acolhida por Coelho, Lisdeivi passou os dois meses seguintes se revezando entre a casa do empresário, da mãe dele e de outros parentes que também resolveram ajudá-la.
"Foi um período difícil. Gastei quase todo meu dinheiro em contas telefônicas. Queria falar com a minha família o tempo todo, mas é muito caro ligar para Cuba", diz a atleta de 1,91 m, tênis 44, que começou a jogar basquete aos nove anos, na escola. "Fazia ginástica também, mas meu treinador dizia que eu era muito alta para isso."
Falante e alegre, ela só se recusa a falar sobre um assunto: política. "Não gosto de falar nisso. Meu negócio é esporte. Não deixei Cuba por causa disso", justifica. "A única coisa que posso dizer sobre o Fidel [Castro] é que ele é um homem muito bom. Graças a ele estudei e pude fazer uma operação no joelho", conta, exibindo a cicatriz da cirurgia na perna direita.
Na seleção cubana, Lisdeivi disputou três Mundiais, duas Olimpíadas (Atlanta-96 e Sydney-00) e foi bicampeã pan-americana, em 99 e 2003. Mas estava perdendo a posição para colegas mais jovens.
Ela diz que deixou a terra natal porque o que recebia como jogadora não dava para sobreviver. "Ganhava uns 430 pesos cubanos [cerca de US$ 20]. O salário mínimo era de 260. Não dava mais para ficar. Mesmo sem nada, aqui no Brasil você tem mais futuro."
Com a ajuda do amigo brasileiro, deu entrada nos papéis para conseguir a documentação para viver e trabalhar legalmente.
Através da Cáritas, uma entidade da Igreja Católica, conseguiu também um visto provisório de refugiada -que vale até o julgamento de seu processo, ainda sem data certa para acontecer. Pode ser em 1º de outubro, na próxima reunião do Conare (Comitê Nacional para os Refugiados), órgão do Ministério da Justiça que analisa pedidos de asilo político, mas pode ficar para depois. Caso a solicitação seja recusada, Lisdeivi terá a possibilidade de recorrer.
O Conare não se manifesta sobre o caso. Alega que os pedidos são sigilosos e que as pessoas podem sofrer discriminação.
Procurada pela Folha, a Embaixada de Cuba em Brasília não comentou o assunto. O ministro-conselheiro Juan Roberto Loforte, identificado como a pessoa autorizada a falar, não respondeu aos recados da reportagem.
Em Cuba, Angel Iglesias Guerra, vice-presidente de atividades esportivas do Inder (Instituto Nacional de Desporte, Educação Física e Recreação), também não quis se manifestar. "Quem deve falar sobre isso é a federação de basquete. Não temos nada com isso." Ninguém da federação foi encontrado para comentar o caso.

Texto Anterior: Painel FC
Próximo Texto: Cubana espera processo com churrasco
Índice



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.