São Paulo, domingo, 12 de setembro de 2004

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BASQUETE

Fã de carne, feijoada e farofa, Lisdeivi afirma que sonha em conhecer o atacante Adriano, "seu tipo de homem"

Cubana espera processo com churrasco

DA ENVIADA A OURINHOS

O treino daquela manhã quente e seca de Ourinhos começou mais tarde. Para uma jogadora em especial, o atraso tinha um significado maior: era dia de receber seu primeiro salário no Brasil, país que escolheu para recomeçar.
Com um sorriso enorme estampado no rosto, Lisdeivi entrou no ginásio da cidade que agora chama de casa. Animada, queria treinar. Mesmo após passar quase duas horas na fila do banco com suas recém-adquiridas amigas.
Há três semanas a cubana começou uma vida nova. Mudou-se para a pequena Ourinhos, cidade de 110 mil habitantes 370 km a oeste de São Paulo, quase na divisa com o Paraná. E é na casa que divide com a parceira de time Nathalia que espera, ansiosa, o julgamento de seu pedido de asilo.
Antes de chegar lá, já havia passado uma temporada em Americana, onde desertou. Enquanto o empresário Alexandre Coelho negociava com o time local, Lisdeivi pediu para treinar com a equipe para recuperar a forma. Foi aceita.
Mas ficou por lá somente duas semanas. Coelho havia entrado em contato com Ourinhos e tinha boas notícias para a atleta: a equipe estava disposta a contratá-la.
"O clima aqui é muito melhor. As meninas são muito legais, a recepção foi muito mais calorosa", diz a jogadora, num "portunhol" falado rapidamente, que dificulta a compreensão das novas amigas.
Nada, porém, que a impeça de levar uma vida normal ou a deixe de fora dos churrascos que as amigas organizam sempre que têm folga. "Eu amo churrasco!"
"Fala também da caipirinha", atiça a colega Lígia. "Ah, é verdade, adoro. Gosto de feijoada, farofa. Não vivo sem. Agora sempre que como arroz e feijão preciso colocar farofa por cima", conta Lisdeivi, que comia bastante churrasco em Cuba. Mas de porco, já que carne de boi é praticamente artigo de luxo no país. E as churrascadas só aconteciam graças ao pai, Juan, criador de suínos numa província perto de Havana.
Outra paixão de Lisdeivi é o basquete. "Aprendi assistindo", diz a fã do pivô americano Shaquille O"Neal, do Miami Heat ("Morro por ele"). Em Sydney, conta, fez questão de tirar fotos ao lado de Gary Payton e Kevin Garnett, do Dream Team norte-americano.
Apesar do embargo dos EUA a Cuba, ela orgulha-se em dizer a origem de seu nome: foi uma homenagem à atriz Angela Davis, famosa por ser atuante na luta contra a discriminação racial no país. "O Lis veio da minha mãe, Lídia. O resto foi uma homenagem, já que minha mãe sempre foi fã."
Sua mais recente paixão foi descoberta há pouco mais de três meses. Lisdeivi é apaixonada pelo atacante Adriano, da seleção brasileira e da Inter de Milão. "Ele é bonito, tem um corpo lindo. É o tipo de homem que gosto, meio quieto, forte", derrete-se em elogios. "Um dia vou conhecê-lo."
A euforia desaparece quando ela volta a lembrar da família. "Faz três semanas que falei com eles pela última vez. Sinto muita saudade", relata, com lágrimas nos olhos. O jeito encontrado para ficar mais perto foi a internet. Lisdeivi manda e-mails quase diários e tenta manter contato com os amigos que deixou para trás.
Na ilha, além do namorado, o judoca Frank Emílio, com quem morava havia dois anos e meio, deixou a mãe, o pai e o irmão, Lisber, dois anos mais jovem.
Há pouco mais de um mês ganhou mais um parente por quem chorar, a sobrinha Lisdeivi Laura. "Queria muito conhecê-la, pegar no colo, mas não pude fazer isso."
Mas essa não é sua maior preocupação. "Todos as noites, quando coloco a cabeça no travesseiro, fico tentando encontrar uma maneira de ter meu namorado por perto, de rever minha família."
Lisdeivi não gosta muito de falar sobre planos. Diz que pretende ficar em Ourinhos mesmo depois de terminar seu contrato. Ou mesmo após se aposentar. "Gostaria de ficar como treinadora", diz. "Você poderia começar como minha assistente", brinca o técnico Antonio Carlos Vendramini.
"Tive a sorte de cruzar com pessoas legais desde que cheguei. Agora preciso começar do zero. Mas sou otimista", afirma, sorrindo, antes de deixar o ginásio para comprar um cesto de roupas para seu novo lar. (TATIANA CUNHA)


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