São Paulo, segunda-feira, 13 de janeiro de 2003

Texto Anterior | Índice

FUTEBOL

Julinho no campo do mito

JOSÉ GERALDO COUTO
COLUNISTA DA FOLHA

Morreu Julinho Botelho. Como todo craque que teve seu momento de brilho antes dos jogos televisionados, ele pertence ao terreno brumoso do mito.
Quem, como eu, tem menos de 50 anos quase não viu Julinho em ação. Lembro-me apenas de ter visto na TV alguns belos lances dele na Copa de 1954, pelos quais se pode deduzir que era um driblador infernal, mas com grande senso de objetividade.
Dois episódios, muito lembrados, bastaram para construir a legenda de Julinho Botelho como homem valente e de caráter.
O primeiro deles foi sua recusa em servir a seleção brasileira que iria à Copa de 58. Seu argumento era singelo: como estava jogando na Itália (na Fiorentina), achava que devia ceder a camisa amarela a alguém que estivesse atuando no Brasil. Quem entrou na vaga foi Garrincha (a outra era de Joel), e o resto da história todo mundo conhece.
Curiosamente, o outro episódio célebre envolvendo Julinho também tem a ver com Garrincha. Escalado no lugar de Mané num amistoso contra a Inglaterra em 1959, entrou em campo sob uma das maiores vaias já ouvidas no estádio do Maracanã.
É preciso levar em conta que o sentimento bairrista era muito mais forte naquela época, em que os torcedores praticamente só conheciam os jogadores que atuavam em seu Estado.
Garrincha, além de ter brilhado na Copa da Suécia, encantava os cariocas semanalmente, com a camisa do Botafogo.
Julinho, que passara mais de três anos na Itália, era agora atleta do Palmeiras. Nessas circunstâncias, era natural que a platéia do Maracanã o considerasse um intruso, quase um usurpador.
Em vez de se deixar esmagar pela hostilidade geral, Julinho se encheu de brios e operou o milagre de dobrar a multidão.
Diz-se que fez uma partida impecável. O fato é que marcou um gol e deu o passe para o outro (de Henrique) na vitória por 2 a 0. E ao final da partida foi aplaudido de pé pelos mais de cem mil torcedores que estavam no estádio.
Esse feito fabuloso inspirou uma crônica memorável do escritor Nelson Rodrigues e ficou inscrito definitivamente na mitologia do futebol.
Diante de uma história como a de Julinho, sempre me pergunto se o lugar que esses craques do passado ocupam em nossa memória afetiva foi beneficiado ou prejudicado pela inexistência de registros visuais de suas atuações.
Se alguém encontrasse casualmente rolos de filmes de jogos de Leônidas da Silva, por exemplo, será que ficaríamos abestalhados ou decepcionados?
Não foram poucas as vezes em que me vi traído pela memória quando, assistindo a programas do tipo "Grandes Momentos do Esporte", confrontei minhas lembranças de velhos jogos com as imagens reais dos mesmos jogos.
A memória é um terreno enganoso. Mais ainda a memória coletiva, transmitida oralmente ou pelo texto de cronistas (por definição, seres imaginosos e pouco confiáveis).
Seja como for, tenho um respeito quase supersticioso pelas grandes figuras do futebol dos tempos míticos. Devemos tanto a eles que poderíamos pendurar seus retratos em correntinhas no pescoço, como se fossem santinhos ou guias. Quem sabe assim, magicamente, adquiríssemos um pouco da sabedoria, da fibra e da grandeza que, iludidos ou não, atribuímos a essas figuras.

Microfone do juiz

Cinco leitores atentos lembraram que a iniciativa recente da TV francesa de instalar um microfone no árbitro na transmissão de uma partida de futebol não foi inédita. No Brasil, a convite da Globo, José Roberto Wright já havia apitado um Flamengo x Vasco devidamente "grampeado". O resultado, dizem, foi um festival de prepotência do juiz. O Vasco tentou até anular a partida, sob o argumento de que, dentro de campo, apenas Wright sabia da existência do microfone. Esta foi, a meu ver, a grande diferença entre as duas experiências.

Tapando os buracos

Com Leonardo na direita e Fabiano na esquerda, o São Paulo soluciona seu maior problema da temporada passada: a ausência de bons alas. Já o Corinthians continua carente de um meia hábil e criativo. Alguém disse Adriano?

E-mail jgcouto@uol.com.br


Texto Anterior: Vôlei - Cida Santos: Façanhas e revelações
Índice



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.