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São Paulo, domingo, 13 de abril de 2003

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FUTEBOL

Triste espetáculo

TOSTÃO
COLUNISTA DA FOLHA

Por que há no futebol brasileiro um número absurdo de faltas, muito maior do que na Europa? Dois motivos são claros: os árbitros marcam muitas faltas sem necessidade e, principalmente, a excessiva agressividade dos jogadores.
Os árbitros brasileiros paralisam demais as jogadas. O defensor toca na bola, o atacante cai, e o árbitro apita falta. Dizem que o defensor não pode usar de uma força desproporcional. Isso é muito subjetivo. A regra nem sempre é clara.
Os atletas brasileiros são metidos a esperto. Adoram enganar os árbitros. Assim como há defensores que não sabem desarmar sem fazer faltas, existem armadores e atacantes que não sabem se desmarcar nem conseguem driblar e vivem de cavar faltas e pênaltis.
Por outro lado, os árbitros já conhecem essas malandragens. Estão sempre desconfiados e, por isso, muitas vezes não marcam faltas e pênaltis claros e ainda punem com cartões amarelos.
Muitos atletas provocam faltas porque as jogadas de bolas paradas são uma das eficientes maneiras de fazer gols. O time que tem um Arce, um Marcelinho, um Alex, um Rogério (do Corinthians), um Jorge Wagner e outros excelentes cruzadores e/ou batedores de faltas, utilizam bastante essa estratégia.
Há ainda os jogadores que não provocam, mas facilitam as faltas. Caio (do Grêmio), em vez de sair fora do zagueiro, quer passar pelo corpo do rival. Tromba e cai. É o Caio cai-cai. Há muitos como ele. O árbitro ainda apita falta. Só se o defensor sair da frente.
O talentoso Diego está conduzindo demais a bola. É tocado e não sai do chão. Se ele quiser ser um craque, terá de saber o momento de tocar de primeira ou mais rápido e o de conduzir a bola e driblar. O mesmo acontece com Carlos Alberto do Fluminense. O drible é importante, necessário e bonito, mas não em todas as jogadas. Gérson, um dos melhores armadores de todos os tempos, raramente driblava.
Não estou querendo justificar os faltosos e as faltas. São em número absurdo. Quero apenas lembrar que muitas infrações são provocadas ou facilitadas pelos que sofrem a falta e pelos erros dos árbitros.
A falta é normal, consequência da disputa, mas não 50, 60 por partida. Cometer faltas para impedir a continuação do lance não pode ser uma estratégia, como defende o excelente técnico Mário Sérgio. O jogo fica truncado e feio. O público some dos estádios.
O principal motivo do grande número de faltas do futebol nacional é a excessiva agressividade dos atletas. Isso ocorre porque o ambiente de um jogo de futebol, em volta do estádio, na arquibancada, próximo do túnel e no campo, é de agressividade e de violência -ela está em todos os lugares.
O jogo, em vez de ser um espetáculo de alegria, de exibição de técnica, de arte, de competição saudável e de paz, tornou-se um confronto de gladiadores, de desrespeito, discussões, ódio e guerra.
Muitos torcedores, além de brigarem nas arquibancadas, exigem vitórias a qualquer preço. Acham que a derrota é por falta de garra dos atletas. Pensam que xingando e agredindo vão intimidar e obrigar os atletas a lutarem mais e jogarem melhor. Enganam-se. Os jogadores ficam intranquilos, com medo e atuam pior. Os técnicos sofrem pressões da torcida e sentem-se com a obrigação de vencer, jogando bem ou mal, para garantir os seus empregos. Treinador que não grita, gesticula e não amedronta a arbitragem não agrada. A tensão é transmitida aos atletas por meio de exagerada ênfase à pegada.
O jogador entra em campo pressionado por todos os lados, inclusive por parte da imprensa, que, para agradar aos torcedores, fala também que o time atuou mal porque pipocou. Isso aumenta a audiência. Por causa da interatividade, palavra da moda, os internautas estão se tornando formadores de opinião.
Neste ambiente de guerra, os jogadores confundem virilidade com violência. Vão com tanta vontade na bola, não como se fosse um prato de comida, como dizia o filosofo Neném Prancha, e sim como se a bola fosse os membros, tronco e cabeça. Atropelam. Não sei como não acontecem mais graves contusões.
Os torcedores que querem apenas torcer, festejar, entender e apreciar o esporte estão abandonando os estádios. Se continuar assim, o futebol ficará restrito às televisões e aos poucos baderneiros das arquibancadas. Será um triste espetáculo.

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