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FUTEBOL
Técnico muda hábitos para não se sentir estrangeiro em Portugal e usa "sangue quente" brasileiro para vencer além-mar
Scolari veste terno para seu "fado tropical"
FÁBIO VICTOR
DO PAINEL FC
O cheirinho de alecrim já provoca mudanças em Luiz Felipe
Scolari. Há cinco meses como técnico de Portugal, o comandante
da seleção brasileira pentacampeã
mundial na Ásia engoliu idiossincrasias para diminuir resistências e não se sentir um completo
estrangeiro num país que fala sua
própria língua.
O Felipão à portuguesa veste
terno e gravata sem resmungar,
estuda história, sai à rua para conhecer os hábitos culturais dos
"patrícios", visita castelos e trocou o churrasco pelo peixe.
Não significa que Scolari se descarecterizou aos 54 anos. Muito
pelo contrário, as marcas que fizeram seu sucesso profissional estão conservadas além-mar. E é
com elas que o técnico quer tornar Portugal uma seleção campeã. O desejo dele é a versão boleira do "Fado Tropical" de Chico
Buarque e Ruy Guerra, que construíram numa canção uma nação
idílica em que guitarras dialogam
com sanfonas, sardinhas combinam com mandioca e o rio Amazonas deságua no Tejo.
O primeiro lance da estratégia
veio antes do amistoso Portugal 2
x 1 Brasil, em março, quando, a
caminho do estádio, o treinador
gaúcho colocou no ônibus uma
versão do fado "Uma Casa Portuguesa" em ritmo de samba, interpretada pelo cantor Roberto Leal,
português radicado no Brasil.
"Mostrei que dava para formar
alguma coisa juntando nosso ritmo com o deles. Alguns até dançaram no ônibus e, no jogo seguinte, eles mesmos levaram músicas", contou Scolari, que esteve
ontem em São Paulo para fazer
uma palestra sobre psicologia no
futebol a estudantes de educação
física de uma universidade particular, uma gentileza com a psicóloga e amiga Regina Brandão, que
o assessora na área.
Quem acompanhou o evento
teve a chance de ouvir o exótico
arranjo de Roberto Leal, usado no
evento como exemplo de motivação. A platéia de universitários,
que mais parecia um grupo de colegiais, enchendo o auditório de
gritinhos, assovios e brincadeiras
(ao entrar, Scolari foi festejado
com um berro de "Gene Hackman" vindo do fundão), pôde
ainda se surpreender com o bem
cortado terno azul do técnico.
Antes classificada como "frescura" e usada só em situações excepcionais, a roupa foi definida
como uma de suas "cedências".
"A cultura deles para eventos
exige uma participação diferente
do meu normal. Faço algumas cedências e tento fazê-los entender
que nosso jeito tropical pode ajudá-los. Quem sabe se, com o nosso sangue quente, eu não posso
mudá-los?", questionou.
"A principal diferença que sinto
é no aspecto cultural. Ainda sou
um pouco estrangeiro em Portugal. Por isso procurei me inteirar
sobre a história do país, tenho saído de casa um pouco mais para
ter contato com as pessoas, para
me integrar, saber o que eles
acham sobre futebol." Os reflexos
das "cedências" chegam à mesa: o
técnico começou a comer peixe,
prato de que não gostava, e sofre
por ter reduzido o churrasco.
O dia de Scolari em Estoril, cidade praiana na região metropolitana de Lisboa, começa às 6h40,
quando ajuda a mulher, Olga, a
fazer o café dos filhos Leonardo,
19, e Fabrício, 12. Depois, vai caminhar e, no fim da manhã, passa
na Federação Portuguesa.
Procura acompanhar de perto
pelo menos um jogo do Campeonato Português por semana e gasta o resto do tempo para fazer diplomacia com os técnicos do país
("A rejeição que tinham no começo hoje quase não existe") e dar
entrevistas. Aos finais de semana,
visita castelos ou igrejas.
Turrão que acumulou encrencas ao longo da carreira, Scolari já
teve algumas no novo emprego,
mas, como aqui, lá a resistência ao
seu estilo diminui com resultados.
Seu maior êxito foi a convocação do meia brasileiro Deco, criticada por muitos no país, inclusive
as estrelas Figo e Rui Costa, mas
assimilada após o jogador marcar
o gol da vitória sobre o Brasil.
A formação dos atletas portugueses, que tratam Scolari por
"mister", impressionou o chefe.
"São mais cultos que os brasileiros, falam duas ou três línguas."
Se o time ainda não mostrou
bom futebol, o retrospecto é animador para um início de trabalho
(veja quadro). "Portugal é o único
classificado para a Eurocopa e vai
jogar em casa. Pesei isso ao assinar contrato. Passo uma imagem
de bobinho, mas não sou."
Embora pareça mais sereno e
menos irascível, a impressão se
revela equivocada quando o assunto é o passado. Ontem Scolari
se referiu com rancor aos técnicos
que o criticaram quando ele estava na seleção. "Não posso analisar
o trabalho do Parreira, porque ele
é um colega de profissão, e eu sei
muito bem o que é ser analisado
por um colega de profissão."
E, ao falar novamente do terno
-um dos símbolos da fracassada
passagem de Wanderley Luxemburgo pelo time nacional-, sinalizou que a transformação não é
tão profunda quanto sugere.
"Tenho usado terno e gravata
em certas ocasiões, mas nunca dirigi Portugal assim. Sou o técnico
do abrigo. E, de terno e gravata ou
abrigo, vou continuar dando
bronca do mesmo jeito."
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