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São Paulo, terça-feira, 13 de maio de 2003

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FUTEBOL

De volta à era do rádio

JOSÉ ROBERTO TORERO
COLUNISTA DA FOLHA

Hertziano leitor, ondulada leitora, a confusão em torno dos direitos de transmissão dos jogos do Campeonato Brasileiro da Série B tem obrigado os torcedores de poltrona de certos times a entrar no túnel do tempo. Para eles, a televisão ainda não foi inventada. Para eles, ainda estamos na era do rádio.
E estes torcedores estão bem atrasados, porque a tevê brasileira entrou no ar pela primeira vez no dia 18 de setembro de 1950. Apenas cinco ricaços possuíam aparelhos então, mas o empresário Assis Chateaubriand (dono da TV Tupi) tratou de instalar terminais em lugares movimentados da cidade, como a praça da República e a rua Sete de Abril.
Foi assim, em pé e na rua, que muitos assistiram às primeiras atrações, como o programa humorístico "A Praça da Alegria", ou as novelas "Helena" e "Sua Vida me Pertence". Naqueles tempos, a ligação entre ela e o futebol era inexistente.
Na maioria das vezes, quem queria acompanhar o andamento de uma partida só tinha uma saída: ligar o rádio. Familiares e amigos se reuniam ao pé do aparelho e participavam de uma espécie de ritual no qual as emoções entravam pelo ouvido e eram filtradas pela imaginação. Experiência semelhante à de contar e ouvir histórias que, aliás, fazia parte da realidade da maioria das pessoas.
Cada jogo era diferente na cabeça de cada um. Cada ouvinte interpretava o que ouvia de um modo particular. Uma falta poderia ser discutida assim por eles:
- Acho que foi uma entrada desleal!
- Não, a voz do narrador não estava tão embargada assim.
- Escute a torcida! Até agora eles estão protestando!
- Deve ser o chiado da transmissão.
Não havia, como hoje, a autoridade da imagem, a auto-suficiência do replay e a prepotência do tira-teima, elementos da tecnologia que não dão liberdade para devaneios e suposições. O que é, é. Ponto final.
Quando comecei a gostar de futebol, a tevê ainda era em preto-e-branco. E havia poucas transmissões. De vez em quando, um jogo da seleção brasileira ou uma final de campeonato, mas era só. Três ou quatro partidas num mesmo dia como se vê hoje, nem pensar.
Portanto a única saída era recorrer ao rádio. Lembro que os cronistas se esforçavam por falar de uma maneira um tanto elegante. Sem querer, as pessoas até aprendiam algumas palavras diferentes, como "lide", "cordéis", "porfia" e "estapafúrdio". Outras eram até poéticas, como no caso do célebre: "Fecham-se as cortinas e termina o espetáculo!", de Fiori Gigliotti.
Palmeirenses, botafoguenses, lusos, americanos, londrinenses, remistas e tantos outros têm agora a possibilidade de voltar à era do rádio. Para eles, não existe a crueza definitiva da imagem, mas a imprecisão da oralidade, que nos obriga a preencher certos vazios com a imaginação.
Em certos casos, pode ser uma vantagem.

Apelidos
O leitor Edson Ribeiro, de Itu, envia dois causos interessantes de apelidos curiosos. O primeiro, de um goleiro do time de uma fábrica local, tão ruim que seus carinhosos companheiros lhe deram o apelido de "Garras de Quiabo". O segundo, do mesmo time, pertencia a um zagueiro de odor tão desagradável que, para não ser chamado de Urubu, foi alcunhado de "Beija-Flor de Carniça".

Obrigado, Jesus!
Murilo Antonio Simões manda uma singela sugestão: Do mesmo jeito que alguns jogadores, depois de um gol, levantam a camisa mostrando frases do tipo "Obrigado, Jesus", deveriam mostrar outra camiseta quando o gol não saísse. E essa outra poderia ter a inscrição: "Pô, Jesus, assim não dá".

E-mail torero@uol.com.br


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