São Paulo, terça-feira, 13 de junho de 2006

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Análise

Futebol é mais que um jogo para croatas

IVANA PREISS
ESPECIAL PARA A FOLHA

Verão de 98. É raro encontrar um croata cujos olhos não brilhem e que não emita um suspiro profundo quando convidado a relembrar aquele momento mágico. Poucos esqueceram as bandeiras nas casas e nas mãos de milhares de croatas unidos nas ruas do país, sentindo uma felicidade que só poderia ser relacionada a um exemplo semelhante do passado: o dia em que os croatas puderam se declarar croatas. É difícil explicar de que maneira a vitória em um jogo de futebol pode ser comparada com um momento tão crucial e inesquecível na história de um país como a criação de um Estado autônomo. Por ser um pequeno país, a Croácia precisava encontrar um jeito de reforçar sua credibilidade e ganhar espaço no cenário mundial como um rival de respeito: futebol. Um croata orgulhoso, temperamental e agressivo correu pelo gramado com a determinação de um Davi contra Golias. E fez o gol que tirou o país da sombra. Davor Suker virou herói, a personificação das visões de um povo que não muitos anos antes combatera em campo aberto para tornar essa vitória possível. Para os croatas, o futebol é mais do que um jogo. Oito anos mais tarde, caminho pelas ruas da capital, respirando o ar perfumado de lembranças de 98. Falta pouco para o mais importante jogo da Copa para os croatas: a partida contra o Brasil. Só recentemente eles sentiram o sabor de encarar os virtuoses do futebol. Mostraram seu respeito pelo rival com uma cerimônia de boas-vindas que só vira igual no país na visita do papa João Paulo 2º. Jogaram, não venceram, mas empataram. Um empate é uma potencial vitória, e é fácil motivar os croatas. Nem a declaração de Ronaldinho de que jamais esteve em forma física melhor desanima a torcida croata (ainda que 50% dos homens do país tenham dito que prefeririam tomar uma cerveja com Ronaldinho a fazer sexo com suas mulheres). A atmosfera no país é única. Locais de trabalho estão vazios, e muitos cogitam viajar a Berlim hoje. Por sorte, não é muito longe, de modo que há meios alternativos de transporte caso não haja vôos para a capital alemã. Um deles é representado por 50 fanáticos que estão indo de bicicleta. Estima-se que 93% da população da Croácia verá o jogo, em casas, bares e cafés ou diante de telões. As lojas de TV colocaram aparelhos à venda por metade do preço. E mais: ofereceram devolver o dinheiro aos compradores caso a Croácia perca. Eles sabem que não têm um Ronaldinho, mas ostentam espírito de equipe, o ponto forte da Croácia e que não deve ser subestimado. A maior parte dos croatas não acredita em vitória. O que espera é uma reprise de 98, para ter uma vez mais a atenção do mundo, nem que por um curto período. Precisa disso. Nada no mundo motiva mais que a vitória. E, repito, é fácil motivar os croatas. Ainda que a seleção tenha caído em amistosos, um croata diz que "estamos guardando nossa força para alguém capaz de nos derrubar". O Brasil pode. Resta definir quem vencerá.


IVANA PREISS , 23, é fotógrafa croata, vive entre Zagreb e Praga, onde estuda direitos humanos, e tem uma tataravó brasileira

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