São Paulo, sábado, 13 de junho de 2009

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JOSÉ GERALDO COUTO

Faz de conta


Neste sistema de disputa das eliminatórias, Argentina e Brasil, mesmo quando estão mal, garantem lugar na Copa

BRASIL E Argentina.
O dia em que um dos dois deixar de se classificar para uma Copa do Mundo será um escândalo internacional, talvez o estopim para a revolução continental sonhada por Che Guevara.
Está certo que a Argentina quase "conseguiu" em 94, ao passar pela humilhação da repescagem para se classificar à Copa dos EUA. Está certo também que o futebol sul-americano se nivelou, e hoje seleções como Equador e Chile já causam problemas e inspiram respeito.
Mas, com tudo isso, convenhamos: as eliminatórias sul-americanas são uma baba. De dez países, quatro se classificam e o quinto vai para a repescagem contra uma seleção de segunda linha da Concacaf.
Só fazendo muita bobagem argentinos e brasileiros podem ficar de fora.
Vai daí que o entusiasmo sádico de alguns brasileiros diante da má campanha da Argentina no atual classificatório é uma espécie de ejaculação precoce. Que ninguém se iluda: os pupilos de Maradona irão à próxima Copa do Mundo e estarão, como sempre, entre os quatro ou cinco favoritos ao título.
Por tudo isso, mal posso esperar pelo confronto de 5 de setembro, em Buenos Aires, entre Argentina e Brasil, na próxima rodada das eliminatórias.
O Brasil na liderança, a Argentina em quarto lugar, "ameaçada" (faz de conta) de eliminação, o estádio lotado, a rivalidade quase centenária, o som e a fúria. Significando nada no plano objetivo, pois ambos vão à Copa, já sabemos, mas tudo em termos de drama e espetáculo.
É aí que está a beleza da coisa. De um ponto de vista frio e objetivo, nenhuma partida, nem mesmo uma final de Copa do Mundo, tem grande importância para o planeta. Não muda o PIB dos países pobres, não altera a situação geopolítica, não distribui riqueza, não tem impacto sobre o meio ambiente.
Visto com certo distanciamento, é tudo um grande teatro, tanto o que se desenvolve dentro de campo como nos bastidores, na mídia, nas conversas de botequim.
No entanto, esse teatro mobiliza como poucas outras coisas os nossos desejos, temores, esperanças, frustrações. Teatro vivo, selvagem, ritual que se renova a cada partida, sem nunca se repetir, pois cada jogo é uma nova história escrita no ato.
É toda uma mitologia, mas uma mitologia em construção, em que surgem deuses, demônios e heróis -e até musas- a cada temporada, a cada partida.
Os historiadores do futuro se dedicarão, assombrados, a desvendar os paradoxos dessa prática ao mesmo tempo física, bruta, e de desdobramentos imaginários tão sutis. Argentina x Brasil, 5 de setembro, Buenos Aires. Quem vai?

O velho e o novo
Para não dizerem que não comentei a seleção de Dunga: gostei da atuação do Brasil contra o Paraguai, mas poderia ser melhor.
Por que não tentar um meio de campo mais maleável, com Anderson, Ramires, Lucas ou Hernanes (se voltar a jogar bem) no lugar do pesado Gilberto Silva?
Esse, desconfio, é o último bastião do apego de Dunga ao futebol de seu tempo, fincado em dois volantes "pegadores". Eu sei, meu velho, a gente custa a mudar. Mas precisa.

jgcouto@uol.com.br


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