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MINHA HISTÓRIA
BONG JUN-KIMOU PAULO, 69
Uma só Coreia
Sei que forçaram a ida da seleção da Coreia do Norte para a Copa de 1966 Quando tive a oportunidade, vim para o Brasil Na Copa de 2010, sou Coreia do Norte. Não tem jeito, é sentimento
MARCEL MERGUIZO
DE SÃO PAULO
Nasci em Pyongyang, na
Coreia do Norte, em 19 de
janeiro de 1941. Quando começou a Guerra da Coreia [25
de junho de 1950 a 27 de julho
de 1953], eu, minha mãe, dois
irmãos, uma cunhada e um
sobrinho nos mudamos para
o Sul, para a democracia.
Meu pai já havia morrido.
Eu jogava futebol no colégio, lembro que os times da
Coreia ganhavam dos da China, mas perdiam para os russos. Depois, na Coreia do Sul,
eles só gostavam de beisebol,
e não joguei mais futebol.
Minha família ficou em In
Chon, uma cidade perto de
Seul. Lá, eu estudei e cursei
engenharia civil em uma universidade na capital.
Lembro muito pouco da
Copa de 1966 . Sei que o povo
da Coreia tinha fome na época. Forçaram a ida da seleção
para o Mundial. E eu gostava
daquele esforço deles.
Não me lembro de muita
coisa sobre a guerra. Mas,
nos anos seguintes, foi muito
difícil conseguir emprego lá.
Por isso, fui servir ao Exército, onde passei três anos e
cheguei a sargento. Mas era
triste. Tinha medo de precisa
lutar contra o Norte, o lugar
de onde eu vim. Nós, coreanos, somos todos irmãos.
Achei uma escola que dava licença para trabalhar em
navios. Entrei e fui trabalhar
no mar, sem minha família. A
América do Sul não tinha especialistas na área, e fui para
o Paraguai. Passei três anos
lá. Quando tive a oportunidade, atravessei a ponte da
Amizade e vim para o Brasil.
Em São Paulo, sozinho, virei vendedor ambulante.
Vendia roupa masculina.
Não falava português, somente um pouco de inglês. E,
em São Paulo, os filhos de famílias de imigrantes falam
inglês. Eles me ajudavam.
Então, conheci um tapeceiro, o nome dele é Antônio.
Fui morar com ele, perto da
avenida Angélica. Moravam
ele e a mulher dele, Neuza.
Foi ela quem me deu o nome de Paulo. Disse para eu
escolher um nome "brasileiro". Gostei de Paulo.
Mas estava me sentindo
muito sozinho, e um amigo
que ainda estava no Paraguai
me disse para ir conhecer alguém lá. Voltei e conheci minha mulher. Ela é sul-coreana. Nós nos casamos.
Em 1987, já com dois filhos
nascidos no Brasil, consegui
regularizar minha situação
no país. Hoje, moro no Pari,
com casa própria há uns 25
anos. E tenho uma confecção
de roupa feminina no Brás.
Meu filho, Alexandre, junto com a mulher, tem uma
confecção também no Brás. E
tenho meu netinho lindo.
Meu outro filho morreu aos 23 anos, afogado, em Santos.
Tenho saudades da Coreia
do Norte. Mas não posso ir
para lá. A política é muito
triste. Gosto da democracia.
Graças a Deus, minha vida é
aqui no Brasil. É ruim viver lá
[na Coreia do Norte]. No Sul,
é diferente, e mudou muito
nos últimos 40 anos. Muita
tecnologia. Não concordo
com o comunismo. Gosto de
trabalhar. E o Brasil é lindo.
Aqui já tive loja de material para construção. Mas estava fazendo mal para a minha mulher. Por isso abri a confecção há uns cinco anos.
Não tenho muito dinheiro,
mas estou realizado. Pago todos os impostos. Com quase
70 anos, tenho uma vida boa.
São uns 50 mil coreanos
no Brasil , uns 90% em São
Paulo. Dizemos só coreanos.
Na comunidade, não há norte-coreanos ou sul-coreanos. Ninguém fala que é norte-coreano. Não há imigrantes vindos do Norte. Quer dizer, há em pensamento, em
sentimento [aponta para a
cabeça e para o peito].
Eu já não tenho documentos da Coreia do Norte. E conheço algumas histórias
iguais. Mas ninguém gosta
de falar, de contar. Acho que
é medo. Lá são sensíveis,
não podem criticar o governo, e aqui não ficamos tranquilos. Eles [do governo norte-coreano] querem descobrir quem critica o governo.
Na Copa, sou Coreia do
Norte. Não tem jeito... [sorri]. Podem obrigar alguém a
torcer por outro país? É sentimento. Contra o Brasil,
também vou torcer pela Coreia. Mas, quando o Brasil
jogar contra outra seleção,
torcerei pelo Brasil. Já são
40 anos aqui, né? Meu filho
e meu neto são brasileiros.
Os outros jogos? Vou torcer pela Coreia do Norte, pela Coreia do Sul e pelo Brasil. Coreano luta pela paz.
Espero voltar a ver as Coreias juntas, uma só Coreia.
Minha história é triste. Essa
história é triste. Não é culpa
dos coreanos. Deus resolverá o assunto a qualquer momento. Mas não sei se verei.
GLOSSÁRIO
Copa de 1966
A Inglaterra
abrigou o 8º Mundial de futebol. Foi a primeira, e até 2010 a
única, Copa da qual a Coreia do
Norte participou. Foram quatro
jogos, com uma vitória (Itália, 1
a 0), um empate (Chile, 1 a 1) e
uma derrota (URSS, 3 a 0), na
1ª fase, e a derrota para Portugal (5 a 3) nas quartas de final.
50 mil coreanos no Brasil
Segundo a Polícia Federal, há
18.313 sul-coreanos cadastrados no país, 16.325 em SP
(15.144 em São Paulo). A comunidade coreana, imigrantes
e descendentes, é estimada em
50 mil. Os norte-coreanos legais no país, diz a PF, são 29.
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