São Paulo, domingo, 13 de junho de 2010

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Fora de sintonia

Na capital da Nigéria, torcedores e jornalistas acompanham jogo contra a Argentina por meio de TV que alternava imagens coloridas e preto e branco

FÁBIO SEIXAS
ENVIADO ESPECIAL A LAGOS

Doze homens e uma TV 12 polegadas. Fora de sintonia. Cheia de fantasmas, de chiados, ora colorida, ora preto e branco. Mas, enfim, a única chance de (tentar) assistir à estreia da Nigéria na Copa.
A reportagem da Folha acompanhou ontem o duelo entre os "Águias" e a Argentina em Lagos. Na sede do "Guardian", maior jornal do país, às margens da Oshodi-Apapa Express, uma das principais vias da cidade.
Mas não, não se impressione pelos superlativos.
Porque trafegar na avenida é um jogo de driblar buracos, vans com gente literalmente saindo pelas janelas e vendedores de bugigangas surreais. O "must" neste sábado era um para-sol com as fotos de Frank Poncherello e Jon Baker, eles mesmos, os protagonistas do seriado "Chips", sucesso nos 80.
O jornal integra esse cenário. A tiragem é um mistério. "O governo controla tudo. A impressão, a publicidade. Não é que eu não queira dizer, nós não sabemos", diz um funcionário que pede para não ser identificado.
Pesquisa rápida na internet revela que o "Guardian"
nigeriano publica 70 mil edições diárias. Ou um quarto do que o homônimo mais famoso, da Inglaterra.
A ideia era assistir ao jogo na Redação. Não deu certo.
A TV quebrou.
Coincidência ou resultado de um apagão que atingiu a região meia hora antes da partida, tornou-se impossível sintonizar qualquer um dos dez canais que mostravam a partida ao vivo.
Na Nigéria, uma organização de emissoras compra os direitos da Copa do Mundo e distribui as imagens para suas associadas.
Mas tanta oferta não significa nada se não há por perto um aparelho que as receba.
O jeito para os jornalistas de plantão, e que podiam deixar o trabalho de lado por algumas horas, foi recorrer à pequena TV na recepção também diminuta -não mais que 9 m2-, e quente.
E se os nigerianos já falam em altíssimo volume o tempo todo, o que acontece durante um jogo de futebol beira o incompreensível.
Principalmente quando eles percebem que deixaram de ver um gol, o de Heinze, porque um segurança fazia uma gambiarra com papel alumínio e fita adesiva no cabo da antena externa.
Sinal restabelecido, do jeito que dava, a partida foi um sofrimento para os torcedores em Lagos. Não havia nem 20 minutos de bola rolando e dois dos 12 espremidos na salinha cornetavam: pediam a queda imediata do técnico Lars Lagerback.
A principal crítica que se faz ao trabalho do sueco é a falta de novas caras na seleção. Pudera: ele chegou em fevereiro, teve pouco mais de três meses para trabalhar.
Ao mesmo tempo em que a turma no "Guardian" engrossava a batida crítica das ruas, pedia a entrada de um antigo ídolo em campo. "Kanu é um jogador mágico. Joga com 70% de talento e 30% de físico. Hoje não tem mais tanta força, mas pode entrar por 15 minutos e resolver o jogo", diz Bola Olajuwon, sub-editor do "Guardian".
Prestes a completar 34 anos, o "jogador mágico" esquentou o banco de reservas ontem, a exemplo do que fez na maior parte da temporada pelo Portsmouth, time rebaixado no Campeonato Inglês.
É o mesmo Bola -nome, mas que poderia ser apelido- que levanta ao fim do jogo, abre os braços e, do alto do seu cargo, evacua a sala. "Três pontos, meu amigo. Perdemos três pontos", diz.


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