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Fora de sintonia
Na capital da Nigéria, torcedores e jornalistas acompanham jogo contra a Argentina por meio de TV que alternava imagens coloridas e preto e branco
FÁBIO SEIXAS
ENVIADO ESPECIAL A LAGOS
Doze homens e uma TV 12
polegadas. Fora de sintonia.
Cheia de fantasmas, de chiados, ora colorida, ora preto e
branco. Mas, enfim, a única
chance de (tentar) assistir à
estreia da Nigéria na Copa.
A reportagem da Folha
acompanhou ontem o duelo
entre os "Águias" e a Argentina em Lagos. Na sede do
"Guardian", maior jornal do
país, às margens da Oshodi-Apapa Express, uma das
principais vias da cidade.
Mas não, não se impressione pelos superlativos.
Porque trafegar na avenida é um jogo de driblar buracos, vans com gente literalmente saindo pelas janelas e
vendedores de bugigangas
surreais. O "must" neste sábado era um para-sol com as
fotos de Frank Poncherello e
Jon Baker, eles mesmos, os
protagonistas do seriado
"Chips", sucesso nos 80.
O jornal integra esse cenário. A tiragem é um mistério.
"O governo controla tudo. A
impressão, a publicidade.
Não é que eu não queira dizer, nós não sabemos", diz
um funcionário que pede para não ser identificado.
Pesquisa rápida na internet revela que o "Guardian"
nigeriano publica 70 mil edições diárias. Ou um quarto
do que o homônimo mais famoso, da Inglaterra.
A ideia era assistir ao jogo
na Redação. Não deu certo.
A TV quebrou.
Coincidência ou resultado
de um apagão que atingiu a
região meia hora antes da
partida, tornou-se impossível sintonizar qualquer um
dos dez canais que mostravam a partida ao vivo.
Na Nigéria, uma organização de emissoras compra os
direitos da Copa do Mundo e
distribui as imagens para
suas associadas.
Mas tanta oferta não significa nada se não há por perto
um aparelho que as receba.
O jeito para os jornalistas
de plantão, e que podiam
deixar o trabalho de lado por
algumas horas, foi recorrer à
pequena TV na recepção
também diminuta -não
mais que 9 m2-, e quente.
E se os nigerianos já falam
em altíssimo volume o tempo
todo, o que acontece durante
um jogo de futebol beira o incompreensível.
Principalmente quando
eles percebem que deixaram
de ver um gol, o de Heinze,
porque um segurança fazia
uma gambiarra com papel
alumínio e fita adesiva no cabo da antena externa.
Sinal restabelecido, do jeito que dava, a partida foi um
sofrimento para os torcedores em Lagos. Não havia nem
20 minutos de bola rolando e
dois dos 12 espremidos na salinha cornetavam: pediam a
queda imediata do técnico
Lars Lagerback.
A principal crítica que se
faz ao trabalho do sueco é a
falta de novas caras na seleção. Pudera: ele chegou em
fevereiro, teve pouco mais de
três meses para trabalhar.
Ao mesmo tempo em que a
turma no "Guardian" engrossava a batida crítica das
ruas, pedia a entrada de um
antigo ídolo em campo. "Kanu é um jogador mágico. Joga com 70% de talento e 30%
de físico. Hoje não tem mais
tanta força, mas pode entrar
por 15 minutos e resolver o jogo", diz Bola Olajuwon, sub-editor do "Guardian".
Prestes a completar 34
anos, o "jogador mágico" esquentou o banco de reservas
ontem, a exemplo do que fez
na maior parte da temporada
pelo Portsmouth, time rebaixado no Campeonato Inglês.
É o mesmo Bola -nome,
mas que poderia ser apelido- que levanta ao fim do jogo, abre os braços e, do alto
do seu cargo, evacua a sala.
"Três pontos, meu amigo.
Perdemos três pontos", diz.
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