São Paulo, quarta-feira, 13 de agosto de 2008

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ARTIGO

Operários pagam o preço da Olimpíada

Chineses que ergueram instalações esportivas são expulsos de Pequim sem salário e sem emprego

TAO RAN
ESPECIAL PARA A FOLHA

Há três meses, quando eu fazia uma pesquisa em um vilarejo rural a mais de 300 km de Pequim, tive uma surpresa ao descobrir que todos os trabalhadores migrantes das províncias vizinhas, que até então trabalhavam nas obras do povoado, tinham acabado de partir.
Quando indagado sobre o porquê disso, o chefe do povoado respondeu que, para garantir uma boa qualidade do ar para a Olimpíada, a maioria das empresas poluentes teve que ser fechada, mesmo as que ficam distantes de Pequim.
O que me surpreendeu mais ainda foi a resposta à seguinte pergunta: "Por que vocês interromperam pela metade a construção da rodovia do povoado?"
O que me foi dito foi que o preço do cascalho -pedras quebradas usadas na superfície das estradas- acabara de dobrar. Sendo assim, a verba para a pavimentação da estrada já não era suficiente, e a obra teve que ser suspensa. "Por que o preço do cascalho dobrou?", perguntei. A resposta ainda foi: "A Olimpíada". Para garantir plenamente a segurança durante os Jogos, o uso de explosivos tinha sido controlado rigidamente ou proibido por completo em muitas pedreiras próximas a Pequim. Por conta disso, faltava cascalho.
O que testemunhei naquele povoado é só uma parte pequena do impacto dos Jogos sobre as vidas dos chineses comuns.
Antes mesmo de os Jogos começarem, muitas pessoas aqui na China já falavam sobre o conceito de economia olímpica. Não há dúvida de que a Olimpíada renderá benefícios significativos, já que o número de turistas estrangeiros e chineses deve aumentar durante e após o evento. Os Jogos também podem ajudar a gerar muitas outras oportunidades de negócios que, neste momento, ainda são difíceis de mensurar.
Mas quero chamar a atenção a outro efeito colateral das Olimpíadas que talvez não seja menos importante: a deseconomia olímpica.
Para reduzir a poluição do ar, metade dos 3,3 milhões de automóveis de Pequim foi tirada das ruas entre 20 de julho e 20 de setembro. Muitas fábricas poluidoras foram fechadas, não apenas em Pequim mas também nas cinco províncias vizinhas. Fábricas químicas, usinas elétricas e fundições autorizadas a continuar operando tiveram que reduzir em 30% suas emissões de gases.
Isso significa que a maioria dos operários, que fizeram uma contribuição grande para a construção das instalações esportivas da Olimpíada, foi obrigada a deixar a capital por pelo menos dois meses, recebendo pouco ou nenhum pagamento durante esse período.
Como parte de uma campanha pela segurança alimentar durante os Jogos, o governo também fechou restaurantes de Pequim que não satisfazem os critérios sanitários básicos.
Apesar de tudo isso, a maioria das pessoas com quem conversei aqui em Pequim sente orgulho da Olimpíada. Para a maioria dos moradores da cidade, os Jogos serão o melhor palco para mostrar ao mundo a prosperidade da China.
Como o show precisa ser de alta qualidade, há um preço a ser pago. Mas a maior parte desse preço será pago pelos trabalhadores migrantes que antes trabalhavam na construção e nos restaurantes de Pequim, mas que ficaram desempregados durante os Jogos.


Tao Ran é PhD em economia pela Universidade de Chicago e, atualmente, reside em Pequim

Tradução de Clara Allain



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