São Paulo, quarta-feira, 13 de agosto de 2008

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MADE IN CHINA

Original de fábrica

LOJA SECRETA E ERRANTE EM BAIRRO CHIQUE DE PEQUIM DRIBLA POLÍCIA PARA OFERECER GRIFES FAMOSAS E CONTRASTA COM ESTRATÉGIA CORPO A CORPO DAS VENDEDORAS DO CENTRO DE PIRATARIA DA CIDADE

RAUL JUSTE LORES
DE PEQUIM

Armanis, Pradas e Louis Vuittons de qualidade, que não parecem nada falsificados, são a atração de uma secreta loja de Pequim. Funciona em um apartamento no 20º andar de um edifício em um dos bairros mais caros da cidade.
É conhecida como Frienda, como alguns chineses sem muito traquejo com o inglês se referem à proprietária.
A "amiga" é uma mulher de 40 anos, vestida normalmente com roupas de couro e botas de cano longo, e que oferece dezenas de bolsas, ternos e sapatos de grandes marcas, de qualidade bastante superior à dos mercadões de produtos piratas comuns na China.
A "loja" já mudou várias vezes de endereço, e "olheiros" ficam no térreo do prédio para se adiantar a qualquer incursão da polícia. Acredita-se que ela trabalhe com os fornecedores das próprias grandes marcas estrangeiras -são produtos "desviados" das fábricas ou que foram descartados por algum pequeno defeito.
De empresários a diplomatas, turistas e curiosos, a Frienda vive cheia. Um terno Armani pode sair pelo equivalente a R$ 400, uma bolsa Chanel, por R$ 150, e uma camisa Paul Smith, por R$ 40.
Para entrar na "loja", é preciso convencer no interfone que se é "amigo da Frienda". A primeira sala do apartamento de 250 m2 fica vazia -os funcionários precisam observar se o visitante não oferece perigo para liberar o acesso a ele.
Loucos por consumo, os chineses criaram opções para todos os orçamentos. Nos 87 shoppings de Pequim, as marcas européias são onipresentes - três lojas Giorgio Armani foram inauguradas só no último mês. Com preços dignos de Europa, mais impostos.
Já no Mercado da Seda, o mais conhecido centro de pirataria da cidade, camisas Polo Ralph Lauren ou Lacoste piratas saem por R$ 20, no máximo -mas são necessários uns 20 minutos de pechincha.
As vendedoras se viram em inglês, espanhol, italiano e qualquer outro idioma necessário e sempre pedem um preço dez vezes maior que o real. A calça jeans Diesel fake, por exemplo, será oferecida pelo equivalente a R$ 300, quando não vale mais de R$ 30.
Até para quem já freqüentou mercados árabes, a experiência choca. As vendedoras chinesas são bem mais agressivas. Puxam o possível comprador pelo braço, agarram se for necessário, e choram (ou gritam) se acham a pechincha "ofensiva". Vale até tapa no comprador para mostrar que elas não querem mais nenhum regateio.
Usar alguma palavra em chinês ajuda -se elas acham que o estrangeiro está perdido, ficam mais irredutíveis.
Há mercadões no estilo em todos os gêneros -a Cidade da Fotografia, o Buynow, de produtos eletrônicos, o Yashow, de roupas. A maior parte deles continua aberta em plena Olimpíada, apesar de ambulantes com pirataria terem sumido das ruas e lojas com DVDs falsos terem sido fechadas.
A pirataria na China é favorecida por dilema filosófico. "Copiar bem é uma arte na China, não é considerado algo inferior. Pintores costumavam reproduzir um mesmo trabalho de séculos atrás e eram celebrados por conseguirem uma luz ou força diferentes", diz Sarina Tang, curadora e historiadora da arte. "Às vezes a cópia era preferida à original."
Em um país de 1,35 bilhão de habitantes e com escassos recursos naturais, a sobrevivência deixa mais elásticas as regras éticas.
A maior montadora chinesa, a Chery, enfrentou diversas acusações de copiar peça por peça modelos da General Motors. Em 2003, a GM entrou com uma ação na Justiça chinesa, que não considerou "exatamente" uma cópia.
Em 2005, a GM retirou o processo e, no ano passado, fez um acordo de distribuição com a própria montadora que a pirateou. A Chery pertence ao governo.
Não foi a única vez que a cópia descarada foi premiada. A Lining, maior marca de material esportivo da China, adotou um logotipo quase igual ao da Nike, e seu slogan, "Anything is possible", é decalcado do "Impossible is nothing", da Adidas.
Ainda assim, a Lining recebeu o maior merchandising indireto da Olimpíada de Pequim. Seu criador, Li Ning, ex-ginasta chinês que ganhou três ouros em Los Angeles-84, foi o homem que acendeu a tocha na cerimônia de abertura.
Fazendo uma volta olímpica nas alturas pelo estádio, suspenso por cabos, com a tocha olímpica nas mãos, ele deixou para trás a rival estrangeira Adidas, que pagou US$ 100 milhões para ser patrocinadora oficial dos Jogos de 2008.


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