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Legado dos Jogos coloca Rio em xeque
Especialistas crêem que cidade não aproveitou Pan para fazer reformas estruturais e condenam falta de planejamento
Organização e financiadores rebatem críticas e aquecem debate sobre o uso futuro de um evento que já custa R$ 3,5 bilhões em verba pública
Ricardo Moraes/Folha Imagem
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Imagem aérea da Marina da Glória, que não está pronta para provas de vela do Pan |
GUILHERME ROSEGUINI
DA REPORTAGEM LOCAL
O Pan-Americano que o Rio
vai receber dura pouco.
As provas se estendem entre
13 e 29 de julho, mas o impacto
na vida do brasileiro não acaba
na cerimônia de encerramento.
Após a conclusão das disputas, organizadores serão cobrados por um tema cada dia mais
importante e polêmico no
mundo dos esportes: o legado.
É o momento de provar que o
testamento deixado pelos mais
de R$ 3,5 bilhões investidos pelo poder público será pródigo
em benefícios para o país .
É a hora de mostrar que ginásios, quadras, estádios e piscinas foram projetados para
atender competidores e população após os 15 dias de Jogos.
Um desafio que o Comitê
Olímpico Internacional classifica como prioritário para um
país que almeja abrigar uma
Olimpíada -o Rio é candidato a
receber o torneio em 2016.
"Um evento esportivo pode
reerguer ou arruinar uma cidade. Não se pensa em legado
quando a competição acaba.
Tudo deve ser feito na concepção dos projetos e lapidado na
fase que o Rio vive agora", diz
Gilbert Felli, diretor do COI.
O suíço é um dos especialistas que a Folha procurou para
discutir as obras erguidas do
Pan. Em comum, surge um discurso crítico: a cidade planejou
mal o legado do maior torneio
das Américas e perdeu incrível
chance de prosperar.
A tese é rebatida pelo comitê
organizador, pelo governo federal e pela Prefeitura do Rio.
Tal contenda começa no plano estrutural da cidade.
Perito em instalações esportivas com prêmios internacionais no currículo, o arquiteto
Eduardo Castro Mello lamenta
o descaso com obras de infra-estrutura geral, que classifica
como as mais importantes.
Ele acredita que modificações nas redes de saneamento,
por exemplo, poderiam equiparar o Rio a um dos casos mais
bem-sucedidos da história
olímpica, em referência aos Jogos de Barcelona-1992.
Os catalães aproveitaram a
competição para recuperar espaços degradados próximos ao
mar, mudaram o porto de posição e entregaram um balneário
novo aos moradores.
"O Rio também tem áreas
costeiras que poderiam ser reabilitadas, como a baía da Guanabara, hoje poluída. Imagine o
impacto disso para o turismo.
Só que, por falta de planejamento, ficou na promessa."
A lista de oportunidades perdidas não pára por aí.
Para Armando Mendes, vice-presidente do Instituto de Arquitetos do Brasil, a propalada
melhora no sistema de transportes, especialmente na região da Barra da Tijuca, na qual
boa parte das provas será realizada, acabou esquecida.
"Redes de metrô estão no papel há décadas e sempre são
promessas de campanha. Estavam na candidatura do Rio para a Olimpíada de 2008, integravam o projeto do Pan e serão prometidas para a Copa de
2014. Mas não são executadas."
Em 2004, o COI já havia
apontado falhas no setor. No
relatório que sentenciou a eliminação do Rio da disputa pela
Olimpíada-2012, o comitê disparou: "Os sistemas de transporte estão sobrecarregados".
Instalações esportivas também são recebidas com ressalvas. Segundo o engenheiro Fernando Telles, profissionais escolhidos para projetar as praças não foram municiados com
informações importantes para
a projeção do legado.
"Faltou pesquisa. Antes de
erguer qualquer obra, é preciso
conhecer a demanda do país e
da cidade, o interesse do público. Isso influi em tudo, até no
tamanho das arquibancadas."
Membro da Iaks (Associação
Internacional para Instalações
Esportivas e de Lazer, na sigla
em alemão) e ex-atleta olímpico (participou em Roma-1960
nos saltos ornamentais), Telles
encontra vozes de apoio.
Castro Mello participou, como consultor, de seis projetos
do Pan. Recebeu análises produzidas por técnicos australianos e alemães contratados pelos financiadores. Não gostou.
"Os estudos preliminares
eram alienígenas, fora da nossa
realidade. Não existiam dados
suficientes para planejar o uso
pós-Pan", afirma o arquiteto.
Um exemplo prático ocorreu
no velódromo, desenhado pelo
alemão Hermann Tilke, o preferido da F-1, para receber o ciclismo. Inicialmente, seria
uma instalação temporária.
Depois, a idéia era construir
ginásio climatizado para 2.500
espectadores -custo de R$ 35
milhões. Nova guinada ocorreu, e o desenho mais recente
registra espaço para 1.500 pessoas e ventilação natural. São
reviravoltas que, para Telles,
indicam graves falhas.
"As coisas mudam ao sabor
do humor dos políticos. Se,
com base em estudos, concluímos que precisamos de um velódromo, façamos. Se não há
perspectiva de atração no futuro, elaboramos um desmontável. É simples. Mas você acha
que alguém pensou nisso?"
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