São Paulo, domingo, 14 de janeiro de 2007

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Legado dos Jogos coloca Rio em xeque

Especialistas crêem que cidade não aproveitou Pan para fazer reformas estruturais e condenam falta de planejamento

Organização e financiadores rebatem críticas e aquecem debate sobre o uso futuro de um evento que já custa R$ 3,5 bilhões em verba pública

Ricardo Moraes/Folha Imagem
Imagem aérea da Marina da Glória, que não está pronta para provas de vela do Pan


GUILHERME ROSEGUINI
DA REPORTAGEM LOCAL

O Pan-Americano que o Rio vai receber dura pouco.
As provas se estendem entre 13 e 29 de julho, mas o impacto na vida do brasileiro não acaba na cerimônia de encerramento.
Após a conclusão das disputas, organizadores serão cobrados por um tema cada dia mais importante e polêmico no mundo dos esportes: o legado.
É o momento de provar que o testamento deixado pelos mais de R$ 3,5 bilhões investidos pelo poder público será pródigo em benefícios para o país .
É a hora de mostrar que ginásios, quadras, estádios e piscinas foram projetados para atender competidores e população após os 15 dias de Jogos.
Um desafio que o Comitê Olímpico Internacional classifica como prioritário para um país que almeja abrigar uma Olimpíada -o Rio é candidato a receber o torneio em 2016.
"Um evento esportivo pode reerguer ou arruinar uma cidade. Não se pensa em legado quando a competição acaba. Tudo deve ser feito na concepção dos projetos e lapidado na fase que o Rio vive agora", diz Gilbert Felli, diretor do COI.
O suíço é um dos especialistas que a Folha procurou para discutir as obras erguidas do Pan. Em comum, surge um discurso crítico: a cidade planejou mal o legado do maior torneio das Américas e perdeu incrível chance de prosperar.
A tese é rebatida pelo comitê organizador, pelo governo federal e pela Prefeitura do Rio.
Tal contenda começa no plano estrutural da cidade.
Perito em instalações esportivas com prêmios internacionais no currículo, o arquiteto Eduardo Castro Mello lamenta o descaso com obras de infra-estrutura geral, que classifica como as mais importantes.
Ele acredita que modificações nas redes de saneamento, por exemplo, poderiam equiparar o Rio a um dos casos mais bem-sucedidos da história olímpica, em referência aos Jogos de Barcelona-1992.
Os catalães aproveitaram a competição para recuperar espaços degradados próximos ao mar, mudaram o porto de posição e entregaram um balneário novo aos moradores.
"O Rio também tem áreas costeiras que poderiam ser reabilitadas, como a baía da Guanabara, hoje poluída. Imagine o impacto disso para o turismo. Só que, por falta de planejamento, ficou na promessa."
A lista de oportunidades perdidas não pára por aí.
Para Armando Mendes, vice-presidente do Instituto de Arquitetos do Brasil, a propalada melhora no sistema de transportes, especialmente na região da Barra da Tijuca, na qual boa parte das provas será realizada, acabou esquecida.
"Redes de metrô estão no papel há décadas e sempre são promessas de campanha. Estavam na candidatura do Rio para a Olimpíada de 2008, integravam o projeto do Pan e serão prometidas para a Copa de 2014. Mas não são executadas."
Em 2004, o COI já havia apontado falhas no setor. No relatório que sentenciou a eliminação do Rio da disputa pela Olimpíada-2012, o comitê disparou: "Os sistemas de transporte estão sobrecarregados".
Instalações esportivas também são recebidas com ressalvas. Segundo o engenheiro Fernando Telles, profissionais escolhidos para projetar as praças não foram municiados com informações importantes para a projeção do legado.
"Faltou pesquisa. Antes de erguer qualquer obra, é preciso conhecer a demanda do país e da cidade, o interesse do público. Isso influi em tudo, até no tamanho das arquibancadas."
Membro da Iaks (Associação Internacional para Instalações Esportivas e de Lazer, na sigla em alemão) e ex-atleta olímpico (participou em Roma-1960 nos saltos ornamentais), Telles encontra vozes de apoio.
Castro Mello participou, como consultor, de seis projetos do Pan. Recebeu análises produzidas por técnicos australianos e alemães contratados pelos financiadores. Não gostou.
"Os estudos preliminares eram alienígenas, fora da nossa realidade. Não existiam dados suficientes para planejar o uso pós-Pan", afirma o arquiteto.
Um exemplo prático ocorreu no velódromo, desenhado pelo alemão Hermann Tilke, o preferido da F-1, para receber o ciclismo. Inicialmente, seria uma instalação temporária.
Depois, a idéia era construir ginásio climatizado para 2.500 espectadores -custo de R$ 35 milhões. Nova guinada ocorreu, e o desenho mais recente registra espaço para 1.500 pessoas e ventilação natural. São reviravoltas que, para Telles, indicam graves falhas.
"As coisas mudam ao sabor do humor dos políticos. Se, com base em estudos, concluímos que precisamos de um velódromo, façamos. Se não há perspectiva de atração no futuro, elaboramos um desmontável. É simples. Mas você acha que alguém pensou nisso?"


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