São Paulo, domingo, 14 de março de 2004

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ATENAS 2004

Dirigentes recrutam descendentes nos EUA para contar com uma equipe no torneio olímpico de beisebol

Grécia monta um time que não fala grego

FÁBIO SEIXAS
DA REPORTAGEM LOCAL

Clint Zavaras jura que nunca vai esquecer aquele telefonema, numa manhã de fevereiro de 2003.
Aos 36 anos, ex-arremessador que fracassou na sua única temporada como profissional, em 89, o americano chegava à sua loja de artigos esportivos em Denver, nos EUA, quando um funcionário o avisou que alguém estava pendurado havia 15 minutos na linha.
Na outra ponta, um convite para disputar uma vaga para a Olimpíada de Atenas. Jogando beisebol. Pela seleção da casa, a Grécia.
"No começo, não entendi nada. Achei que era um trote ou uma proposta para trabalhar como dirigente. Eu não jogava, nem de brincadeira, havia dez anos. Estava fora de forma", contou à Folha.
Mas era sério. "Eu não aceitei, mas eles continuaram ligando, uma vez por semana. Em novembro, aceitei ir para um centro de treinamento na Flórida. Fui aprovado. E agora vou para Atenas."
Zavaras vai. E, com ele, Markakis, Raptopoulos, Pappas e Soteropoulos, Theodorou e Kottaras.
Assim é a seleção de beisebol da Grécia. Todos, os 22, são americanos, descendentes de gregos. A maioria atletas fracassados da MLB (liga profissional dos EUA) ou até de campeonatos amadores.
Nenhum dos convocados fala grego e apenas um já pisou em Atenas: o balconista-arremessador Mel Mellehes, na lua-de-mel.
A anomalia nasceu de uma praxe do COI (Comitê Olímpico Internacional): a de oferecer vagas na maioria das modalidades para o país que recebe os Jogos, deixando de lado o nível técnico.
Como o comitê grego planejava o máximo de participação, encarou o desafio. Só depois foi perceber que, no país, ninguém jogava beisebol. Não havia nenhum time. E o único campo, em uma antiga base militar americana, estava abandonado, oculto pelo mato.
Em 98, preocupados, os dirigentes começaram a se mexer. Alguém lembrou que os EUA possuem a maior população de gregos fora da Grécia. A última peça do quebra-cabeça foi encaixada em setembro daquele ano, quando uma delegação do país visitou o escritório da MLB: descobriu que um dos times da liga, o Baltimore Orioles, é de propriedade de um descendente, Peter Angelos.
Contatado, o milionário aceitou bancar a empreitada. Eles contrataram um técnico de segunda linha, Rob Derksen, que desde então passou a cruzar o país atrás de arremessadores, rebatedores e quetais que tivessem a chance de obter, rápido, passaporte grego.
O COI impõe quarentena de dois anos a atletas que trocam de nacionalidade. Por isso o cuidado de buscar jogadores que já fossem gregos -pelo menos no papel.
A cruzada incluiu um inusitado anúncio em jornais e na internet: "Procura-se: jogadores de beisebol que sonhem com Atenas".
Em julho do ano passado, o primeiro embrião da equipe se juntou para jogar o Europeu, na Holanda. O resultado foi animador: vice-campeonato, com derrota para os donos da casa na final.
O time definitivo, porém, só se juntará em 1º de agosto, duas semanas antes da estréia em Atenas.
Além do ânimo por participar dos Jogos, os americanos levarão um peso: a seleção dos EUA, ouro em Sydney, caiu no Pré-Olímpico e não estará em Atenas. "É irônico. Muita gente diz que vai torcer por nós. É uma responsabilidade", disse Zavaras, rindo, com uma pontinha de vingança. "Não tenho pena. Nunca me deram chance. Agora, os profissionais é que me verão na TV."


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