São Paulo, domingo, 14 de março de 2010

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Em Rondônia, concentração dura até a bola parar

Times da capital empilham jogadores, que trabalham muito e quase nada reclamam, em modestos alojamentos coletivos

Da pré-temporada até o fim do Estadual, todos os atletas convivem em uma mesma moradia, onde até lavam banheiro e seus uniformes

Fotos Caio Guatelli/Folha Imagem
Alojamento do Shallon, onde dormem quase 30 jogadores, que lavam o banheiro e o uniforme

DO ENVIADO A PORTO VELHO

Em Porto Velho, a concentração dura da pré-temporada até o final do campeonato.
A capital de Rondônia é o exemplo maior do estilo boia- -fria que virou a profissão de jogador de futebol no Brasil.
Três dos quatro times da cidade trouxeram de outras regiões um elenco inteiro apenas para a disputa do Estadual.
Com pouco dinheiro, Shallon, Genus e Cruzeiro colocaram todos os contratados para morar no mesmo lugar.
Acaba aí qualquer noção de privacidade e começa uma rotina de privação que pode durar por até quatro meses.
A Folha acompanhou um dia de treinos (nos dois casos, mais puxados do que de qualquer time grande) e visitou a moradia do Shallon e do Genus.
No primeiro caso, quase 30 atletas dormem em um mesmo galpão, com no máximo 70 m2, em 15 beliches, cada um deles separado do outro por 1 m.
Para atenuar o calor da capital de Rondônia, onde os termômetros bateram nos 34C durante os últimos dias, nada de ar-condicionado.
Apenas quatro ventiladores refrescavam os jogadores -havia um quebrado. Eles dizem ser impossível um cochilo depois do almoço por causa do forno que é o quarto coletivo.
A diretoria do Shallon não deixa faltar comida -basicamente arroz, feijão, macarrão e um tipo de mistura.
Mas só consegue pagar um único funcionário para a concentração -uma cozinheira, ainda assim, não em tempo integral. Depois do treino da tarde, são os próprios jogadores que esquentam a comida.
Dessa forma, os atletas são os responsáveis, em sistema de rodízio e apenas à noite, pela faxina dos banheiros e da cozinha. Precisam ainda lavar seus uniformes de treinamento.
O alojamento, que também tem um campo de treino, fica distante do centro de Porto Velho (cerca de 15 km), já em área de mata e cheia de mosquitos.
Um atleta contratado para a temporada teve que voltar para o Paraná, maior fornecedor de jogadores para o Shallon, depois de contrair dengue.
Segundo "seu Jorge", o massagista que também faz o papel de roupeiro e enfermeiro, os atletas vindos do Sul e Sudeste não estão acostumados com a água local, que sai de um poço artesiano, e alguns sofrem "com amebas na barriga".
No Genus, também falta espaço para os 28 jogadores do elenco, mas pelo menos o ambiente é mais arejado.
O clube alugou uma casa de cinco quartos, que tem até piscina, para o time.
São cerca de seis jogadores por quarto. Mas, com menos chuveiros e privadas do que no alojamento do Shallon, a higiene pessoal é uma questão de fila e demora longos minutos.
Nos dois clubes ninguém reclama das condições de trabalho e moradia -todos são só elogios. Sobra só muita saudade da família, que ficou a quilômetros de distância. A brevidade dos contratos e o salário curto inviabiliza qualquer projeto de levar mulheres e filhos para Porto Velho.
"Hoje [na última quarta-feira] mesmo vi jogadores chorando no alojamento por causa de saudades dos filhos", conta o goleiro Karlos Eduardo, do Genus, ele mesmo pai de duas crianças que moram em Guarulhos, na Grande São Paulo.
Saudade que os jogadores do Shallon têm mais dificuldade para atenuar pela internet.
O alojamento do time não tem telefone nem acesso à rede de computadores. Uma LAN house, com quatro computadores disponíveis, está a quase mil metros, mas o caminho até lá é feito por uma estrada de terra, que a estação chuvosa na Amazônia transforma em um imenso lamaçal.
A falta de dinheiro também dificulta a comunicação com a família. "Não dá para ficar colocando crédito no celular toda hora. É mais minha mãe que liga lá de Olinda", explica o zagueiro Baiano, que, apesar do apelido, é pernambucano.
Como os boias-frias, os jogadores profissionais de Rondônia também sofrem com poucas opções de lazer. "Em alguns dias, cada um dá um, dois reais, colocamos gasolina no meu carro [um Uno 2000] e vamos até a cidade", diz o massagista "seu Jorge", dono do único veículo estacionado no alojamento do Shallon.
(PAULO COBOS)


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