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Em Rondônia, concentração dura até a bola parar
Times da capital empilham jogadores, que trabalham muito e quase nada reclamam, em modestos alojamentos coletivos
Da pré-temporada até o fim do Estadual, todos os atletas convivem em uma mesma moradia, onde até lavam banheiro e seus uniformes
Fotos Caio Guatelli/Folha Imagem
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Alojamento do Shallon, onde dormem quase 30 jogadores, que
lavam o banheiro e o uniforme
DO ENVIADO A PORTO VELHO
Em Porto Velho, a concentração dura da pré-temporada
até o final do campeonato.
A capital de Rondônia é o
exemplo maior do estilo boia-
-fria que virou a profissão de jogador de futebol no Brasil.
Três dos quatro times da cidade trouxeram de outras regiões um elenco inteiro apenas
para a disputa do Estadual.
Com pouco dinheiro, Shallon, Genus e Cruzeiro colocaram todos os contratados para
morar no mesmo lugar.
Acaba aí qualquer noção de
privacidade e começa uma rotina de privação que pode durar
por até quatro meses.
A Folha acompanhou um dia
de treinos (nos dois casos, mais
puxados do que de qualquer time grande) e visitou a moradia
do Shallon e do Genus.
No primeiro caso, quase 30
atletas dormem em um mesmo
galpão, com no máximo 70 m2,
em 15 beliches, cada um deles
separado do outro por 1 m.
Para atenuar o calor da capital de Rondônia, onde os termômetros bateram nos 34C
durante os últimos dias, nada
de ar-condicionado.
Apenas quatro ventiladores
refrescavam os jogadores -havia um quebrado. Eles dizem
ser impossível um cochilo depois do almoço por causa do
forno que é o quarto coletivo.
A diretoria do Shallon não
deixa faltar comida -basicamente arroz, feijão, macarrão e
um tipo de mistura.
Mas só consegue pagar um
único funcionário para a concentração -uma cozinheira,
ainda assim, não em tempo integral. Depois do treino da tarde, são os próprios jogadores
que esquentam a comida.
Dessa forma, os atletas são os
responsáveis, em sistema de
rodízio e apenas à noite, pela
faxina dos banheiros e da cozinha. Precisam ainda lavar seus
uniformes de treinamento.
O alojamento, que também
tem um campo de treino, fica
distante do centro de Porto Velho (cerca de 15 km), já em área
de mata e cheia de mosquitos.
Um atleta contratado para a
temporada teve que voltar para
o Paraná, maior fornecedor de
jogadores para o Shallon, depois de contrair dengue.
Segundo "seu Jorge", o massagista que também faz o papel
de roupeiro e enfermeiro, os
atletas vindos do Sul e Sudeste
não estão acostumados com a
água local, que sai de um poço
artesiano, e alguns sofrem
"com amebas na barriga".
No Genus, também falta espaço para os 28 jogadores do
elenco, mas pelo menos o ambiente é mais arejado.
O clube alugou uma casa de
cinco quartos, que tem até piscina, para o time.
São cerca de seis jogadores
por quarto. Mas, com menos
chuveiros e privadas do que no
alojamento do Shallon, a higiene pessoal é uma questão de fila e demora longos minutos.
Nos dois clubes ninguém reclama das condições de trabalho e moradia -todos são só
elogios. Sobra só muita saudade da família, que ficou a quilômetros de distância. A brevidade dos contratos e o salário
curto inviabiliza qualquer projeto de levar mulheres e filhos
para Porto Velho.
"Hoje [na última quarta-feira] mesmo vi jogadores chorando no alojamento por causa
de saudades dos filhos", conta o
goleiro Karlos Eduardo, do Genus, ele mesmo pai de duas
crianças que moram em Guarulhos, na Grande São Paulo.
Saudade que os jogadores do
Shallon têm mais dificuldade
para atenuar pela internet.
O alojamento do time não
tem telefone nem acesso à rede
de computadores. Uma LAN
house, com quatro computadores disponíveis, está a quase
mil metros, mas o caminho até
lá é feito por uma estrada de
terra, que a estação chuvosa
na Amazônia transforma em
um imenso lamaçal.
A falta de dinheiro também
dificulta a comunicação com a
família. "Não dá para ficar colocando crédito no celular toda
hora. É mais minha mãe que liga lá de Olinda", explica o zagueiro Baiano, que, apesar do
apelido, é pernambucano.
Como os boias-frias, os jogadores profissionais de Rondônia também sofrem com poucas opções de lazer. "Em alguns
dias, cada um dá um, dois reais,
colocamos gasolina no meu
carro [um Uno 2000] e vamos
até a cidade", diz o massagista
"seu Jorge", dono do único veículo estacionado no alojamento do Shallon.
(PAULO COBOS)
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