São Paulo, domingo, 14 de maio de 2006

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

HISTÓRIA

Mundial-74 compensa Olimpíada-72 e recupera auto-estima do país

A nova cara da Alemanha

FÁBIO FRANZINI
ESPECIAL PARA A FOLHA

No início da década de 70, os olhos da humanidade voltaram-se de novo para os alemães. Mas, ao contrário dos temores provocados pelo avanço do nazismo, 40 anos antes, o contexto era diferente. No lugar do 3º Reich, existia uma nação separada pela distância entre capitalismo e comunismo. No lugar dos confrontos militares, a expectativa pelas batalhas simbólicas do esporte, sintetizadas em seus momentos máximos, a Olimpíada e a Copa do Mundo.
A República Federal da Alemanha seria então a anfitriã de ambos os eventos, abrindo-se ao mundo pela primeira vez após a 2ª Guerra. Se, em 1936, Hitler havia transformado a Olimpíada de Berlim em palco para a exibição da suposta superioridade ariana, agora procurava-se mostrar que a barbárie capitaneada pelo Führer ficara no passado, mesmo com suas lembranças doloridas.
Ao mesmo tempo, tratava-se de ótima chance para afirmar a pujança social e econômica do lado ocidental frente ao oriental, um paradoxo para a identidade alemã, mas de extrema importância político-ideológica em tempos de Guerra Fria, ainda mais se acompanhada de vitórias e medalhas.
O desejo de apresentar uma organização impecável era, portanto, enorme. Para os Jogos de 1972, a cidade-sede, Munique, passou três anos em obras, que produziram um grandioso complexo esportivo. Garantindo a tranqüilidade das delegações estrangeiras, além do conforto dos alojamentos, havia 15 mil policiais.
Tudo isso não impediu a tragédia. Na última semana de competição, um ataque de terroristas palestinos à delegação de Israel na Vila Olímpica, combatido com uma equivocada estratégia pelas forças policiais e militares alemãs, deixou 17 mortos: 11 israelenses, cinco terroristas e um policial. O "massacre de Munique" manchava a imagem do país no momento em que a Alemanha procurava ganhar novo brilho e despertava o medo do que poderia acontecer dali a dois anos, no Mundial.
Apesar de toda a tensão, em 1974, com a segurança ainda mais rigorosa, não houve problemas. E, para a felicidade dos donos da casa, a eficiência não se limitou ao lado de fora dos gramados. Em campo, a seleção comandada por Franz Beckenbauer também fez a sua parte e conquistou seu segundo título mundial, depois de bater os holandeses na final.
Vinte anos depois do triunfo sobre os húngaros na Suíça, os alemães podiam de novo dizer "über alles in der Welt [acima de tudo no mundo]". Graças ao futebol, o orgulho germânico ganhou novo ânimo, ainda por cima transmitido ao vivo e em cores pela TV.
O episódio mais emblemático da Copa, porém, aconteceu muito antes do título. Em 22 de junho, em Hamburgo, pela primeira e única vez em Copas, a República Federal da Alemanha enfrentou a República Democrática Alemã. Alemães contra alemães, num confronto estranho, de resultado surpreendente: 1 a 0 para o Leste, gol de Jürgen Sparwasser (que, ironicamente, tempos depois debandaria para o Oeste).
A vitória foi muito festejada na RDA, em especial pelo Partido Comunista, mas o jogo em si também não deixou de provocar sentimentos ambíguos de ambos os lados da fronteira. Afinal, o que significava ganhar ou perder quando eram todos alemães?


Fábio Franzini é doutorando em história pela Universidade de São Paulo e autor de "Corações na Ponta da Chuteira"

Texto Anterior: Futebol: Edson e Franz comem a bola
Próximo Texto: Futebol: Cartola e magnata se unem
Índice


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.