São Paulo, domingo, 14 de maio de 2006

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HISTÓRIA

Com Alemanha dividida, Berlim vive anos de chumbo, mas é renovada por movimento estudantil que pede fim do muro e a volta da liberdade

Medo e repressão política

MARIA APARECIDA DE AQUINO
ESPECIAL PARA A FOLHA

A Alemanha, durante os "anos de chumbo", ou seja, entre as décadas de 1960 e 1990, vivenciou fatos e circunstâncias que não poderiam ser esquecidos. Nossa retrospectiva se inicia em 1961, em que nos defrontamos com o que se tornou o mais concreto símbolo da intolerância desses "tristes tempos": o Muro de Berlim.
Se não fosse suficiente a humilhante ocupação e a destrutiva divisão, a capital da Alemanha Oriental, a culta Berlim, também foi dividida pelo que já foi chamado de "muro da vergonha". Isso proibiu o trânsito de alemães-orientais para a parte Ocidental.
Nossa viagem agora nos leva a um dos momentos mais perfeitos na história da humanidade. Como esses existem poucos. Robert Darnton, tentando encontrar o espírito "revolucionário" da Revolução Francesa, observa que ele reside na vivência de "homens comuns em circunstâncias extraordinárias" e no "possibilismo" que criaram. Fizeram-nos crer que era possível "mudar o mundo".
O pujante movimento estudantil em 1968 foi um desses momentos. A Alemanha, apesar dos tempos brutais que vivia, também foi sacudida por esse sopro rejuvenescedor, e nos defrontamos com Rudi Dutschke, líder estudantil que ficou conhecido mundialmente como "Rudi, o vermelho".
O sopro renovador dos anos 1960, apesar da aparente ausência de "resultados", é responsável pela condenação internacional que repercute na década de 1970, quando acordos bilaterais foram assinados e, oficialmente, foi liberado o acesso entre as Alemanhas.
Um ponto nevrálgico da Alemanha Oriental refere-se a sua polícia secreta, criada em fevereiro de 1950. A Stasi perseguia e caçava sem tréguas os dissidentes do regime. Em 1989, com a reunificação, converteu-se no Departamento de Segurança Nacional.
Quinze anos depois, suas instalações foram vendidas e, posteriormente, convertidas em museu. Há uma celeuma a respeito de seu acervo, pois os Estados Unidos se apoderaram de parte significativa dele e o governo alemão batalha para recuperá-la.
Entretanto "muita água passaria debaixo da ponte" para que chegássemos a 1989, quando a população derrubou o muro.
Porém quatro décadas de separação são muito fortes. A integração teve o condão de reunir essas diferenças construídas ao longo dos anos. Imagine-se uma família, privada do convívio durante mais de 40 anos nos quais as pessoas nascem, desenvolvem-se, morrem e criam e consolidam hábitos culturais que são permitidos pelo passar do tempo e pela vivência de experiências comuns.
Não pense que esta ligeira crônica é desesperançada e nostálgica à moda proustiana. Parafraseando Antoine de Saint-Exupéry em "Terra dos Homens", podemos dizer: "Uma vez admitida a renúncia, conhece-se a paz". Os alemães estão vivenciando a difícil mas estimulante experiência de construção de nova identidade cultural que não pode ignorar a vivência e a separação anteriores.
O personagem Demian, de Herman Hesse, afirma que, para "nascer é preciso destruir um mundo". Nesse processo de destruição constrói-se um novo mundo, nem melhor, nem pior do que o anterior, apenas novo. A nós, cumpre, saudá-lo.


Maria Aparecida de Aquino é professora da história contemporânea na Universidade de São Paulo e autora de "Censura, Imprensa, Estado Autoritário"

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