São Paulo, segunda-feira, 14 de agosto de 2006

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

JUCA KFOURI

Entre o direito e a justiça

O Brasil justo não será construído se o Judiciário suscitar tantas desconfianças em seus julgamentos

"TEU DEVER é lutar pelo direito. Mas no dia em que encontrares o direito em conflito com a justiça, luta pela justiça."
A frase é do professor de direito do Largo de São Francisco, o saudoso André Franco Montoro, combatente dos mais ardorosos pela redemocratização do Brasil e dos mais limpos e eficazes governadores de São Paulo.
É uma frase irretocável, que cai como luva para abrir o raciocínio que segue abaixo, com o correspondente pedido de desculpas ao leitor que esperava ler aqui o comentário sobre a rodada que manteve o São Paulo na liderança.
Mas não dá.
Não dá diante da condenação do editor e presidente do diário "Lance!", Walter de Mattos Jr., em primeira instância, pelo juiz da 45ª Vara Civil do Rio Janeiro. Ele foi condenado a pagar indenização de R$ 9.000 a Ricardo Teixeira por causa de um artigo que escreveu, em 31 de julho de 2006, para o jornal "O Globo" e republicado pelo diário "Lance!".
No artigo, com absoluto equilíbrio, lamenta-se a impunidade da cartolagem do futebol diante de tudo que foi denunciado por duas CPIs no Congresso Nacional.
O punido, embora ainda caiba recurso, foi, mais uma vez, quem exerceu o sagrado direito da crítica e não quem descumpre as leis vigentes no país.
Curiosamente, aliás, Teixeira não processou "O Globo", que publicou originalmente o artigo, mas, apenas, Mattos e o "Lance!".
Fosse a condenação uma exceção e já seria gravíssimo.
Infelizmente, porém, tem sido a norma, muito porque o Judiciário parece querer se vingar da imprensa que, ainda bem, vem há tempos revelando como andam mal as coisas no chamado Terceiro Poder.
E não é preciso ir ao Estado de Rondônia, onde o presidente do Tribunal de Justiça está preso por envolvimento com venda de sentenças, para fazer a constatação. São raros os Estados, na verdade, em que não há casos semelhantes, e, particularmente no Rio, a promiscuidade é tamanha que não são poucos os membros do Judiciário que viajam à custa de entidades privadas, por exemplo, como a CBF, principalmente nas Copas do Mundo, fato fartamente noticiado desde a Copa de 1990.
Nem por isso os que se deliciam em hotéis cinco estrelas se dão por impedidos de julgar casos da CBF ou de seu presidente, o grande promotor das mordomias.
Se alguém com o espaço que Mattos tem para espernear é vítima de tamanha injustiça, imagine-se o cidadão comum, que não pode se queixar nem para o bispo.
A Associação Brasileira de Imprensa (ABI) e a Associação Nacional de Jornais (ANJ) não podem ficar silentes diante de tais atentados à liberdade de imprensa. Porque tudo faz parte da desconstrução do Brasil que os homens de bem querem edificar.
Filho de promotor público, este colunista jamais se esquecerá do que ouviu de seu pai pouco antes deste se aposentar, desiludido com a aplicação da Justiça no país e com o sistema penitenciário.
"Meu filho, fique o mais longe que puder dos Fóruns e delegacias. Procure evitá-los até como testemunha. Porque eu sei como é feito o direito no Brasil." A história já fez justiça a Franco Montoro e tem dado razão ao procurador de Justiça Carlos Alberto Gouvêa Kfouri, meu pai.
Sem dúvida, fará justiça também à luta que travam homens como Walter de Mattos Jr. Mas, neste caso, a que preço? Ao preço da intimidação, do sentimento de impotência e da pior das sensações que é a que sente a vítima de uma injustiça?


blogdojuca@uol.com.br

Texto Anterior: Cida Santos: Hora da decisão
Próximo Texto: Ourinhos é tricampeão do Paulista feminino
Índice


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.