São Paulo, sexta-feira, 14 de setembro de 2007

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

XICO SÁ

O boné e o caráter do boleiro


Cartilha são-paulina para jovens jogadores proíbe até boné, mas ajuda garotos a exercitarem a imaginação


AMIGO TORCEDOR , amigo secador, sei que existem coisas mais austeras e chatas para tratar, mas deixemos tais assuntos para os gloriosos especialistas que gastam diariamente o tinteiro da rabugem crônica e com isso ganham suas pobres vidas. O assunto mais interessante da semana, no entanto, é a cartilha imposta pelo São Paulo aos seus jovens atletas, especialmente aos juniores.
Interessante porque consegue ser mais reacionária e moralista do que o catecismo do papa Bento 6º. Interessante porque retrocede aos tempos pré-Carlos Zéfiro, aquele carioca dos folhetos sacanas capazes de levar à loucura primos e primas nos anos 1960 e 70. Interessantíssimo e a cara do estilo tricolor de ser ranzinza e contra a vida.
Amigo, a cartilha chega ao grau zero da hipocrisia ao proibir até bonés. O que um boné, noves fora qualquer debate sobre moda e etiqueta, pode mudar em um homem e suas miseráveis circunstâncias? Amigo leitor, gritemos, agora, bem alto, mirando a fumaça na janela ou com raiva do chefe cricri que enche o saco: nada!
Mas tudo isso é pouco, camarada ludopédico, diante do que contarei logo mais. Antes, porém, uma embaixadinha com aspas. "A prioridade é formar pessoas de bom caráter, e a educação é o principal ponto", disse Zé Sérgio, técnico do sub-17, ao bravo Tiago Leme, do "Agora".
Amigo, o que um boné, para ficarmos só nesta insignificância que nos livra do sol na cara e impede o câncer de pele a um homem sem cabelo, pode contribuir ou não para o caráter de um jovem mancebo?
Repita, amigo, agora olhando para a gostosa da firma: nada!
Sim, querido Halley Bó, acredite, o Manual Disciplinar do Atleta, livrinho de 12 páginas obrigatório, proíbe também buraco, tranca, sueca e truco. Dominó, nem pensar. Inspirado no catecismo são-paulino estou a escrever, caro Pereira, um breviário sobre a relação kantiana entre o caráter de jovem e o truco. Sério! E caprichosamente à maneira satírica do camarada Jonathan Swift.
Mas deixemos boné e outras boas maneiras de lado e baixemos o nível. A cartilha, amigo, chega ao ponto de, praticamente, proibir masturbação.
Não proíbe porque o lindo e tresloucado gesto está longe do alcance da mão que balança a cruz inquisitória. O maldito código, porém, diz, a certa altura, que arderá no inferno o jovem flagrado com revistas pornográficas. Nem o Bento 16 seria capaz de tanto. Pelo contrário. A Igreja Católica até admite a masturbação, desde que para fins legítimos, leia-se a manutenção e melhoria do casório, seu mais sagrado sacramento.
Sacanagem a cartilha são-paulina. Ora, são jovens que vivem praticamente como nos seminários, só saem para estudar e dar tratos à bola. Se bem que, como tudo na vida, há coisa boa na famigerada cartilha.
Amigo, repare bem como são as contradições da vida, ao proibir revistas, a cúpula do Morumbi incentiva o uso regular da imaginação por esses moços, pobres moços. Ato dos mais saudáveis em tempos tão mesquinhos ao ponto da narrativa das masturbações padecer de bons enredos. Ao proibir "Sexys", "Playboys" e afins, o São Paulo, uma Suíça ludopédica, como diz o velho Xinho, incentiva a mais saudável das práticas: a ficção carnal e amorosa!

xico.folha@uol.com.br


Texto Anterior: Fábio Seixas: Contra fatos, há a política
Próximo Texto: Já alvo da Uefa, Scolari pede desculpa
Índice


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.