São Paulo, sexta-feira, 15 de fevereiro de 2008

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XICO SÁ

Ora bolas


Amigo, reserva o joelho para dobrar pelas mulheres, para fazer prece, para, no máximo, bater uma bola com o Ronald


AMIGO TORCEDOR , amigo secador, homem que é homem chora em público, aos soluços, seja qual for o motivo, chora pela circunstância e chora pelo conjunto da obra, porque o choro de um homem nunca é um choro isolado, homem chora a dureza represada de ser homem, e triste dos homens que não choram nunca.
Guga e Romário, por exemplo, choraram nesta semana o crepúsculo dos ídolos, a difícil hora de voltar para a vida normal de todos nós. Ronaldo chorou a mesma dor da outra vez, como ele mesmo disse, a dor que por mais que se repita é sempre capaz de surpreender até aquele homem doente, mau e desagradável que habita um subsolo perto da minha casa. Agora chega, amigo, reserva o joelho para dobrar pelas belas mulheres, para fazer uma prece, para, no máximo, bater uma bola no churrasco com o Ronald. Chega de sofrer em público, esquece essa loucura cristã e masoquista de dar a volta por cima.
Vai ser craque na vida, menino, chega de provar para todo mundo que não precisa provar nada para ninguém, vai para a noite e transforma todos os dias seguintes em dias de Mastroianni, como os belos dias sugeridos pelo Cuenca, não o Deportivo da Libertadores, amigo, mas o João Paulo, escriba decente da aldeia carioca. ""O Dia Mastroianni", como relata o livro homônimo, é aquele gasto em pândegas excursões a flanar na companhia de belas raparigas, à brisa das circunstâncias e alheio a qualquer casuística.
Ronaldo, amigo Fenômeno, os sádicos já estão lá fora, salivando à espera do seu novo sacrifício, de uma nova via-crúcis, de que abra a mão da vida livre e farta em nome de uma tal superação masoquista.
Pensa bem, amigo, se a meta é se recuperar para as artes ludopédicas, levará pelo menos um ano, e olhe lá, é muito tempo. Se a recuperação é só para a vida e suas delícias, basta tirar os pontos e começar o estrago logo aí mesmo em Paris. Asseguro que terá mais boas festas do que o Ernest Hemingway; garanto que Henry Miller vai se debater no túmulo com a doce inveja das suas mulheres.
Ora bolas, amigo, esquece os gramados, esquece essa torcida chata de Milão, esses doentes por futebol são um saco, nem conseguem enxergar os jogos, consagram e condenam num piscar de olhos. Vem para o Rio, meu rapaz, esquece as famosas e vê quantas belas bundas anônimas e menos trabalhosas. Sim, despede-se no Maraca, num jogo entre amigos, um tempo com a camisa do Flamengo e o outro com a indumentária do divino São Cristóvão, o berço, onde até aquela cabrita magra que pasta na grande área sente saudades dos seus primeiros gols.

O corvo lamenta
Lamentável que a Copa do Brasil, torneio sagrado dos grandes secadores espalhados pelo país, tenha perdido um pouco do seu charme. Como mostrou esta Folha, muitos clubes estão largando seus grotões para jogar nas capitais e até fora de seus Estados. Esse abandono da aldeia, incentivado pelas malditas transmissões da Globo, é criminoso. Meu corvo Edgar estava tão triste anteontem que nem viu os jogos. Preferiu ver o Tarcísio Meira no filme ""Eu", do genial Walther Hugo Khouri, no Canal Brasil.

xico.folha@uol.com.br


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