São Paulo, sexta-feira, 15 de abril de 2005

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Juristas divergem sobre acusação de injúria

MÁRVIO DOS ANJOS
DA REPORTAGEM LOCAL

Embora não vejam nenhum exagero na maneira como a polícia conduziu a prisão do argentino Desábato, alguns juristas e advogados consultados pela Folha discordam de como o crime contra Grafite foi enquadrado.
O zagueiro foi indiciado por injúria qualificada por preconceito, que permite fiança. Uma situação mais leve que a de crime racial, inafiançável e imprescritível, que obrigaria Desábato a esperar seu julgamento na prisão. Ambas prevêem o mesmo período de reclusão: de um a três anos.
Para Hédio Silva Júnior, coordenador da Comissão de Direitos Humanos da OAB-SP, a classificação do ato como injúria, em vez de crime racial, foi apropriada.
"Racismo é um crime que tem o potencial de atingir toda uma coletividade. No caso, a ofensa foi dirigida a uma só pessoa, numa situação de jogo", entende.
Também por isso, ele aprova o procedimento do delegado do Garra Osvaldo Gonçalves, que consultou Grafite antes de autuar Desábato. Silva Júnior salientou, no entanto, que o habeas corpus só garante o retorno do argentino para casa se o juiz não lhe autorizar, o que não ocorreu. Se for condenado, cumpre a pena no Brasil.
Mas há quem discorde da acusação de injúria. Para o jurista e professor de direito constitucional da USP Dalmo de Abreu Dallari, ela foi um equívoco.
"Ainda que seja dirigida contra uma só pessoa, a atitude atinge toda uma etnia, mesmo que seja numa só pessoa, e ainda teve a publicidade da TV", afirma Dallari. "É um erro dos que concordaram com a desclassificação para injúria, porque cria a idéia de impunidade sobre o racismo, quando o futebol vê o fenômeno crescer."
"Quando você chama alguém de "negro safado", é inegável a intenção de desqualificar o outro em função de sua condição de negro. Quando chama de macaco, reduz a pessoa à condição subumana", diz o professor de direito constitucional da Fundação Getúlio Vargas, Oscar Vilhena Vieira.
Marco Antônio Zito Alvarenga, que preside a Comissão do Negro e de Assuntos Discriminatórios da OAB-SP, concorda com o enquadramento e vê um aviso.
"Isso adverte a sociedade que não se convive com essa modalidade de preconceito" afirma Alvarenga, que não condena, contudo, a acusação por injúria. "A função da pena é recuperar o indivíduo, nunca é vingança."
Para o professor titular da USP Fábio Konder Comparato, a atuação da Polícia Civil no caso foi, antes de tudo, pedagógica. "Não se protegem direitos humanos com lei, nem mesmo com lei penal, mas com educação das massas. Esse episódio mostra a todos os que acompanham o futebol que racismo é crime. É uma forma de educar o povo", afirma.
Guaracy Moreira Filho, titular do 34º DP, argumentou sobre a opção por injúria. "Esta lei [do racismo] fala somente de segregação, se alguém fosse proibido de entrar num lugar por ser negro."


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