São Paulo, domingo, 15 de maio de 2011

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Vila

Mais antiga arena do país recebe sua primeira final de fato em 50 anos, a primeira de um Paulista

JOSÉ ROBERTO TORERO
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA

"Sou alvinegro da Vila Belmiro, o Santos, o Santos vive no meu coração...".
A Vila é tão importante para o Santos que está no primeiro verso de seu hino. Apesar disso, não lembro de uma decisão estadual por lá. O time sempre conquistou seus títulos no Pacaembu ou no Morumbi. Ou seja, a grama da Vila Belmiro ainda não foi regada pelas salgadas lágrimas de uma final paulista.
Obviamente houve partidas importantes, como em 2006, contra a Portuguesa, na última rodada de um campeonato por pontos corridos. Mas a Lusa nem era a segunda colocada. Foi uma partida decisiva, não uma decisão.
A verdade é que a Vila perderá a virgindade hoje, com 94 anos. Tudo bem. Nunca é tarde para um grande prazer.

BATISMO
A história do estádio mais antigo do país começa em 1916, quando dirigentes decidiram comprar um terreno.
Ficaram em dúvida entre a área onde hoje fica a Beneficência Portuguesa e outra, na Vila Belmiro. Apesar de mais cara, preferiu-se a segunda. Um registro da época enumera suas qualidades: "Não possui condôminos, é alto (72 cm acima do nível da rua), tem luz elétrica, esgotos e bonde na porta".
A área custou Cr$ 66.600,00. Para se ter ideia, dez centavos era o preço de uma passagem de bonde.
Logo começam as obras: o nivelamento do campo e uma arquibancada de madeira. Urbano Caldeira e outros torcedores plantaram grama nas noites enluaradas para que ela pudesse crescer a tempo de se realizar um jogo do Campeonato Paulista.
Deu certo. No dia 22 de outubro acontecia o jogo de estreia contra o poderoso Ypiranga de Formiga, Fred e Dionísio. Havia apenas modestas arquibancadas e uma cerca em volta do gramado. Mesmo assim o público pagante foi de 2.000 pessoas. Quem apitou o jogo foi um árbitro com nome de filósofo grego: Demóstenes de Silos.
O santista Adolfo Millon Jr., que gostava de jogar descalço, fez o primeiro gol do estádio. O Ypiranga empatou logo depois. Mostrando que aquele gramado seria um alçapão do qual poucos escapariam, Jarbas fez o segundo gol alvinegro, e o campo estreava com vitória.

CARTEIRA DE IDENTIDADE
A Vila mais famosa do mundo tem nome e apelido.
O nome é Urbano Caldeira, zagueiro (só fez dois gols pela equipe), técnico (o primeiro) e dirigente do Santos. Já o apelido é Vila Belmiro, como o bairro, que é assim chamado por conta de Belmiro Ribeiro de Moraes e Silva, que loteou a antiga Vila Operária.
De alguns ângulos, o bairro mais parece um cenário, como se voltássemos à década de 30. Tanto que serviu de locação para a primeira versão da novela "Éramos Seis".
Quem anda por aquelas ruelas também pode lembrar da letra de "Gente Humilde", de Chico Buarque e Vinicius de Moraes: "São casas simples com cadeiras na calçada, e na fachada escrito em cima que é um lar, pela varanda flores tristes e baldias, como a alegria que não tem onde encostar...".
Mas não é um lugar tão humilde. Há simpáticos e espaçosos sobrados, bangalôs com quintais, prédios baixos e pequenas casas de comércio, como a barbearia do Didi, que de vez em quando ainda corta o cabelo de Pelé.
Eu, confesso, tenho um pouco de inveja de quem vive ali. Deve ser ótimo ficar na janela após o jogo, vendo as pessoas se espalharem.
Costumo parar num bar ali perto para ver os melhores momentos do jogo. Mas poderia vê-los nas barracas de churrasco que levam TVs para atrair compradores.
Alguns espertos moradores fazem comida em casa e servem fregueses no portão. Outros transformam suas garagens em estacionamentos.

CERTIDÃO DE CASAMENTO
Quem vive ao redor da Vila não consegue ficar indiferente. Morar ali é a certeza de se tornar santista.
Dona Iolanda, que mora na rua Princesa Isabel e tem quase 90 anos, sabe a escalação do time de cor. Pode-se vê-la pela porta de vidro da varanda vendo jogos e reclamando. Ela jamais foi ao estádio ver um jogo. Não sabe o que está perdendo.
A Vila é o melhor estádio em que já vi um jogo. Ao mesmo tempo em que oferece total visão do campo, fica-se muito perto dos atletas. Escuta-se tudo o que os jogadores falam e, para azar deles, o contrário também acontece.
Esse ar de intimidade, de coisa simples, é o charme da Vila. Trata-se de um estádio tão pitoresco que nos seus arrabaldes há até feira livre.
Por conta do estádio aconchegante e cercado de casas, o Santos não é só o único campeão mundial vindo de uma cidade com menos de 500 mil habitantes. É o maior time de bairro do mundo, o time da Vila Belmiro.


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