São Paulo, segunda-feira, 15 de outubro de 2007

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ENTREVISTA DA 2ª - MARTA

Não me preocupo em ser comparada com Pelé

Maior estrela do futebol feminino e símbolo de arte em campo, alagoana se inspira nas dificuldades de sua família

Em busca ainda da independência financeira que é tão comum para os astros do futebol masculino, Marta Vieira da Silva dá apenas os primeiros passos com o empresário de Ronaldo e espera lucrar mais com a posição de destaque que ganhou no esporte. Aos 21 anos e comparada a Pelé, vive na Suécia como rainha da bola, mas ainda fica à margem da grande mídia até no país do futebol, que pouca estrutura oferece para mulheres jogarem bola e que ainda cultiva preconceitos.

RODRIGO BUENO
DA REPORTAGEM LOCAL

Por telefone, da Suécia, Marta, a melhor do mundo no futebol, falou à Folha como é ser considerada o ""Pelé de saias".

 

FOLHA - Já se acha a melhor da história? Ao menos a mais habilidosa?
MARTA -
A melhor jogadora da história não. Me acho um pouco avançada pelo fato de eu ter tido a oportunidade de ser vista mundialmente muito cedo. Tenho muito o que aprender, estou só começando. Minha vontade é progredir cada vez mais. Quanto à habilidade, tem muitas jogadoras boas, a própria Cristiane da nossa seleção.

FOLHA - Comparando com as européias e americanas, não se vê como a representante do futebol-arte?
MARTA -
Me acho um pouco diferente delas na forma de jogar. Sou muito de improvisar. Elas tiveram sucesso, mas não do tipo Ronaldinho, que faz um monte de arte em campo. São jogadoras que têm mais a técnica de jogar em equipe. Não que eu não jogue coletivamente.

FOLHA - O que acha das comparações com Pelé? Caso não ganhe Copas, não ficará faltando algo?
MARTA -
Não me preocupo em ser comparada com Pelé, Ronaldinho, Ronaldo. Procuro meu espaço. Mas é legal ouvir comentários, comparações com grandes jogadores. Acho que não há necessidade de ganhar três Copas, até porque não penso em jogar tanto assim. Interessante que fui melhor jogadora em 2006 sem ter jogado sequer uma partida pela seleção. Tive só uma participação na sub-20, em janeiro. Depois, só joguei com minha equipe na Suécia. Foi aí que me destaquei e cheguei a melhor do mundo.

FOLHA - O Pelé despontou para o mundo na Suécia, em uma Copa...
MARTA -
Foi a Copa dele aqui. Isso de Pelé de saias surgiu na Suécia quando jogamos no estádio em que a seleção atuou. Surgiu a história de que o Brasil ganhou a Copa de 58 e que o Pelé foi o cabeça do grupo. É um ídolo na Suécia. Todos gostam dele aqui e dos brasileiros.

FOLHA - Teve algum ídolo, alguém que tenha lhe inspirado no futebol?
MARTA -
Não tenho um ídolo. O Brasil é um país em que a cada mês aparecem novos talentos. Na época em que morava em Dois Riachos, com 10 ou 11 anos, jogava com os meninos na rua e olhava muito para o Rivaldo, que jogava na seleção e passou pelo Corinthians, meu time do coração. Era uma pessoa que me inspirava, mas não era ídolo porque me inspiro na minha família, em todas as dificuldades que a gente passou e passa. Busco recursos para dar vida melhor para os familiares.

FOLHA - Não tem vontade ou curiosidade de jogar entre os homens? Não poderia ajudar o Corinthians?
MARTA -
Vontade há, mas é um nível muito diferente do futebol feminino em relação à parte física. Por mais que seja rápida, sobressaia no meio das meninas, o físico masculino é bem mais forte que o meu. Dificultaria. Não teria medo, mas aquelas trombadas... É futebol feminino de um lado e masculino de outro. Sempre joguei no meio dos homens, sempre que estou na minha cidade jogo com amigos. Mas daí a jogar em time profissional, disputar um Brasileiro, é mais complicado. Vontade tenho de ajudar o Corinthians, mas não faria muita diferença. Na parte técnica não teria problema. Nenhum homem vai querer perder para uma mulher dentro de campo.

FOLHA - Você já chegou a praticar alguma outra modalidade?
MARTA -
Sempre gostei do futebol, mas no colégio tinha time de handebol. As meninas tinham medo das boladas fortes. Como jogava futebol com meninos, tomava porrada e não estava nem aí. Quando estive no Rio, entre 2000 e 2002, estudei num colégio onde o pessoal queria que eu fizesse atletismo. Treinei alguns dias lá, mas meu interesse era só o futebol.

FOLHA - Acha que Kaká foi mesmo o melhor do mundo em 2007?
MARTA -
Ele está numa fase muito boa, jogando superbem. Ajudou o Milan na Copa dos Campeões, brilhando. Neste ano, é o melhor do mundo.

FOLHA - E quem seria a segunda melhor do mundo neste ano?
MARTA -
Pô [risos], aí você me pegou. Fico sem saber o que falar. No Mundial, vimos grandes jogadoras, meninas se destacando, a própria Cristiane, a Prinz, da Alemanha, a Formiga. Se fosse escolher entre as três, pegava as meninas da seleção.

FOLHA - Como é trocar Dois Riachos, em Alagoas, pela Suécia?
MARTA -
Quando vim para a Suécia, já tinha morado no Rio e em Belo Horizonte, estava há três ou quatro anos fora de casa. Foi mudança radical. Vim de uma região que é 40 quase sempre para um país que tem inverno seis, sete meses no ano. Peguei 20 abaixo de zero. A comida é muito diferente, não tem feijão, variação de carnes. Foi meio complicado. Tem a cultura das pessoas, mais tranqüilas, não tem a energia do brasileiro, que está sempre fazendo alguma coisa. E a língua.

FOLHA - Você já conseguiu a tal da independência financeira?
MARTA -
Não, até porque o futebol feminino é bem diferente do masculino. Por mais que já esteja na Suécia há três, quatro anos, não é suficiente para ter independência financeira. Não tem comparação com os milhões que pagam no masculino.

FOLHA - A CBF anunciou prêmio pelo vice no Mundial igual ao do penta. Seriam uns US$ 150 mil...
MARTA -
Não sei ainda dessa situação, o que foi resolvido. Quando voltei para a Suécia, foi para jogar no outro dia. Fiquei totalmente desinformada. Sabia que ganharíamos premiação pelo vice, mas não sabia e não sei quanto será. A gente está na espera do que acontecerá.

FOLHA - A CBF anunciou uma Copa do Brasil feminina? Acha que agora o futebol feminino terá mais apoio?
MARTA -
O nosso país é difícil. Para a gente provar que sabe fazer isso, que a gente quer isso, que tem vontade de crescer, a gente tem que mostrar. Em três anos, fomos a duas finais, fomos bicampeãs pan-americanas. A partir daí, é lógico que os interesses vão surgir. A CBF mantinha a seleção como sempre fez, não deixando faltar nada, mas faltava mais interesse de clubes e de empresas para bancar, patrocinar uma liga. Isso pode acontecer agora.

FOLHA - Você já conversou com Ricardo Teixeira, o presidente da CBF?
MARTA -
A gente já conversou, mas coisas normais, não sobre futebol feminino. Quando estive na final da premiação da Fifa, a gente conversou. Ele esteve em Atenas, viu um dos jogos da gente, deu apoio, força.

FOLHA - E o presidente Lula, que falou que o futebol feminino precisa de apoio? Você votou nele, aliás?
MARTA -
Nem votar votei. Votarei agora que tirei o título. Mas nunca tive oportunidade de falar com o Lula. Estive com ele no Pan, mas aquela muvuca toda, a galera em cima, não tinha como falar. Espero que ele também dê apoio, ajude de alguma forma. O que ele falou já foi muito legal, mas espero realmente que dê uma força.

FOLHA - E o uniforme da seleção? Está mais feminino? As mulheres devem levar as estrelas masculinas?
MARTA -
Não seria má idéia jogar com um uniforme da gente. Mas as divisões de base jogam com cinco estrelas. Talvez teria que mudar tudo. O importante é estar com a camisa da seleção. Uma estrela, nenhuma, cinco, tem que respeitar essas cores. Não senti muita diferença no uniforme, só na gola. Meu tamanho era M, o da Daniela era grande. Ficava enorme nela.

FOLHA - Tem convicção de que um dia dará uma estrela para o Brasil?
MARTA -
Lógico. Tenho mais uns anos de futebol pela frente, e a minha esperança de poder realizar esse sonho está viva.

FOLHA - Você tem alguma companhia na Suécia? Mora com alguém?
MARTA -
Moro sozinha. Minha mãe já esteve aqui, mas só para visitar. Veio o frio, e ela voltou.

FOLHA - Você tem namorado? Pensa um dia em casar e ter filhos?
MARTA -
Não tenho namorado, mas a gente fica de vez em quando. Meu pensamento é de ter filhos, mas quando parar de jogar. Aí quero ter um casal. Filho agora atrapalharia a carreira. Perde um ano, talvez dois, tem que cuidar da criança...

FOLHA - Você recebe muita cantada na Suécia? É morena, famosa...
MARTA -
Às vezes é meio chatinho, até porque me conhecem às vezes. Você sai e quer ficar à vontade, chega um e quer conversar. Aí fica enchendo o saco. Os suecos, quando estão meio safadinhos, começam a falar inglês. Às vezes é meio chato, me estressei. Mas é assim mesmo.

FOLHA - Há muito homossexualismo no futebol feminino?
MARTA -
Pelo fato de jogar aqui [Suécia] não sinto tanto isso. É um país liberal. Ninguém se importa com isso. As meninas que gostam de mulheres aqui falam escancaradamente: "Tenho minha namorada, sou isso, aquilo e pronto". As pessoas respeitam. Mas no Brasil ainda existe isso, mesmo que algumas pessoas não mostrem. A gente, além de não ter espaço adquirido, tem que lidar com isso. Eu vejo profissionalismo. Olho para a pessoa por esse lado. Isso é que interessa. Se você faz isso ou aquilo, diz respeito a você, é sua vida. Não tenho preconceito com ninguém. Cada um faz o que acha que deve fazer. Sou muito tranqüila quanto a isso.

FOLHA - Que tipo de homem você gosta? Curte algum galã?
MARTA -
Rodrigo Santoro, Reynaldo Gianecchini...

FOLHA - Você tem o mesmo empresário do Ronaldo [Fabiano Farah]. Como está sua vida comercial?
MARTA -
A gente está começando agora, fizemos contrato no ano passado. Nos conhecemos por meio de um amigo meu que é amigo do Ronaldo. As coisas estavam ficando muito pesadas para mim. As pessoas estão me procurando, mas passo para o Fabiano. Está engatinhando.

FOLHA - Já se imaginou como modelo, garota-propaganda?
MARTA -
Acho que modelo não dá para mim não, mas algum comercial a gente faz.


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