São Paulo, quinta-feira, 15 de outubro de 2009

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FUTEBOL

O sentimento argentino


Nossos vizinhos ainda respiram mais o futebol que os brasileiros, nas horas boas e nos momentos ruins


RODRIGO BUENO
ENVIADO ESPECIAL A MONTEVIDÉU

HÁ VERDADES que sabemos, aceitamos, mas, quando nos deparamos com elas, ficamos perplexos, procurando explicações. Não vou filosofar sobre morte ou coisas do tipo, a questão é futebolística. Os argentinos vivem mesmo mais o futebol do que os brasileiros.
Não é fácil medir isso, não há um instrumento que diga, por exemplo, que o torcedor do Boca ame mais seu clube do que o do Flamengo (assim como não dá para garantir que o corintiano goste mais de seu time que o palmeirense). Mas há algumas coisas que saltam aos olhos em comparações entre os dois países, como a entrega dos torcedores aos times antes, durante e depois das partidas, independentemente de placar.
Não é à toa que as torcidas brasileiras imitam os cânticos dos hinchas argentinos, para não falar em "avalanches". O espaço que a mídia argentina dá para o futebol é substancialmente maior do que o oferecido pela imprensa brasileira. O "Clarín", em momento crucial por causa da nova lei de meios de comunicação no país, deu 12 páginas (uma de anúncio) para o Argentina 2 x 1 Peru -quase uma edição de Olimpíada no Rio-, além de uma página para os demais jogos da rodada.
Na TV, os programas esportivos superam em tempo e em profundidade o que é feito no Brasil. As reflexões sobre os mínimos detalhes de uma partida impressionam para quem não está acostumado. Isso é visto em maior ou menor grau também na Inglaterra e na Itália. O cuidado com a história, as estatísticas, a tática, a atenção dada aos clubes menores, às outras divisões... Isso vai além dos jornais esportivos (o "Olé" foi o modelo para o "Lance!").
Não digo que o que é feito no Brasil é pior. Estou apontando apenas para a questão cultural (o governo argentino, apesar de outras razões, faz justiça ao ver o futebol como algo público) e para as diferenças. Não conheço um argentino que saiba mais de futebol que o PVC, mas o meu colega é muito acima da média, um fenômeno. Na Argentina, existe há décadas uma "escola de PVCs", repetindo o que ocorre com alguns esportes (tivemos Guga, e eles fazem ótimos tenistas em série).
A imprensa esportiva argentina serve como modelo para o resto da América do Sul. Ela torce, corneta, respira, vive o futebol de forma mais intensa. Há também, claro, espírito crítico. A busca por explicações para sucessos e fracassos é quase uma obsessão, algo que Freud (muito popular na Argentina) talvez explique. Espiritualmente, a Argentina esteve por poucos segundos fora da Copa no épico jogo com o Peru. Foi nesse curto espaço de tempo, no Monumental de Nuñez, que o sentimento do argentino pelo futebol me ensinou um pouco mais sobre o esporte que amo. De fato, a Copa precisa mais da Argentina e de sua paixão do que o contrário.

rodrigo.bueno@grupofolha.com.br


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