São Paulo, terça-feira, 15 de dezembro de 2009 |
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
JOSÉ ROBERTO TORERO Zé Cabala e o doutor Rúbis
"SUPREMO XAMÃ , muzimo máximo, insuperável arúspice, estás em casa?", disse eu quando cheguei à porta de Zé Cabala. Como não obtive resposta, fui entrando. Atravessei a sala onde há uma estátua de Buda com a camisa da seleção brasileira e fui encontrá-lo no quarto, com um estetoscópio no ouvido, escutando a parede. "Mestre, escutando as almas que já moraram aqui?" "Não", ele respondeu. "É que mudou um casal para a casa do lado e eles estão em lua de mel. Quer escutar um pouco?" "Não, obrigado. Vim para entrevistar algum grande jogador do passado." "Trouxe o dízimo?" Mal lhe passei as notas, ele colocou-as sob seu turbante e começou a girar. O estetoscópio quase me acertou o nariz. Depois de algumas voltas, ele parou e disse: "Doutor Rúbis, às suas ordens." "O grande meia-direita do Flamengo? Puxa, já li muito sobre o senhor. O Mário Filho dizia que existia um elástico invisível entre o seu pé e a bola." "É, eu tinha um bom drible curto mesmo. Mas também sabia distribuir as jogadas e chutava colocado." "Dizem que o senhor era um Adílio melhorado." "É verdade. Lembro até que demos uma entrevista juntos para a revista "Placar". Mas isso já tem uns 30 anos." "Se o senhor foi ídolo no Flamengo, deve ter nascido no Rio de Janeiro." "Que nada. Sou paulistano do Bom Retiro. Nasci em 1928 e comecei a jogar no Ypiranga com 15 anos. Depois, fui para a Portuguesa, mas fiquei pouco tempo por lá. Só participei de uma excursão à Europa. Fui tão bem que o Flamengo me contratou. Eu tinha 23 anos." "E você foi bem recebido pela torcida?" "Acho que eles estavam meio ressabiados comigo, afinal, eu vinha para substituir o Zizinho, que tinha sido vendido para o Bangu. Mas dei sorte. Logo no meu jogo de estreia fui o melhor em campo e vencemos o Vasco, coisa que não acontecia havia sete anos." "E foram campeões?" "Tri. Vencemos em 53, 54 e 55. Marquei 84 gols em 173 partidas. Mas, em 1957, briguei com o técnico, o Fleitas Solich, e fui para o Vasco. E lá fui campeão em 58." "E na seleção?" "Dei azar. Peguei a época de dois gênios, Zizinho e Didi, de quem fui reserva na Copa de 54." "E depois?" "Ainda joguei um pouco pela Portuguesa e pela Prudentina, mas me aposentei cedo, com 30 e poucos. Morri em 87, com 59 anos, por causa de um câncer no pulmão." "E qual foi sua grande glória no futebol? O tri carioca? O campeonato pelo Vasco? Ir para a Copa de 54?" "Que nada. Minha maior glória é estar numa música. Conhece o "Samba Rubro-Negro", de Wilson Batista e Jorge de Castro?" "Não estou lembrado." "Flamengo joga amanhã, eu vou pra lá/ vai haver mais um baile no Maracanã/ o mais querido, tem Rubens, Dequinha e Pavão/ eu já rezei pra são Jorge pro Mengo ser campeão", cantou ele, fazendo o estetoscópio de microfone.
torero@uol.com.br |
Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress. |