São Paulo, sexta-feira, 16 de abril de 2004

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FUTEBOL

A coragem seletiva do cartola

MÁRIO MAGALHÃES
COLUNISTA DA FOLHA

Têm mérito relativo e demérito absoluto as sentenças da mais alta autoridade do futebol paulista, Marco Polo Del Nero, sobre o campeonato que ele mesmo organizou.
O presidente da federação achincalhou a competição que se encerra depois de amanhã. Em entrevista ao repórter Fernando Mello, disparou seu repertório de carimbos pejorativos.
Está certo, eis o seu mérito.
Que é relativo porque demorou a alardear a nudez do rei exposta aos olhos de todo o reino. Permite imaginar que soltou o verbo apenas para se diferenciar do antecessor, sob cuja direção a FPF moldou as aberrações que fizeram desse um dos mais chumbregas Campeonatos Paulistas.
Será que esperou para ver no que daria um torneio cuja síntese foi a deformação pré-natal de reunir contendores em número ímpar? Com o fracasso, manda a conta para Eduardo José Farah, o velho aliado com quem rompeu anteontem. Como escreveu Persio Presotto no site Mandando pra Rede, até há pouco tudo parecia perfeito para a federação.
O demérito fundamental foram as circunstâncias que Del Nero escolheu para se antecipar a balanços impiedosos do torneio meia-boca. Se um homem são as suas circunstâncias, o cartola é um senhor de coragem seletiva.
Teria ele a mesma bravura caso Palmeiras e Santos, para ficar nos dois semifinalistas batidos, alcançassem a final? Existiriam suas confissões tardias se o duelo derradeiro opusesse, como sonhava, torcidas de massa no Morumbi?
A ironia das circunstâncias que levam o dirigente da FPF a qualificar de horrível a sua própria criatura -pai é quem cria- é que São Caetano e Paulista antagonizam numa decisão que enriquece a história dos Paulistões.
O embate expressa o vigor do futebol interiorano. Exalta o triunfo conquistado em campo, superando o árbitro que quase impediu a vitória do time de Jundiaí sobre o Palmeiras. Opõe duas equipes que, no Rio, deixariam Vasco e Flamengo no caminho.
Domingo, não é só o São Caetano que pode deixar de ser o adolescente que, sem nunca arriscar o passo adiante, dá sempre a mesma resposta sobre os progressos com a namorada ou namorado: já peguei na mão.
Com bola na rede, Muricy entraria no restrito primeiro time dos técnicos brasileiros. Não tanto pela conquista do maior Estadual, mas por levar os entretantos do eterno peguei-na-mão aos finalmentes da mão na taça.
Do outro lado, num êxito precoce que é marca dos grandes treinadores, Zetti poderia enfeitar seu breve currículo com um título que muitos pares de sucesso passam a vida sem conquistar. Zetti foi um ótimo goleiro. Pesado e troncudo, não tinha o "physique du rôle" para a posição. Superava a deficiência com inteligência e disposição insana para os treinos.
São Caetano e Paulista dão renovada prova de que, no futebol, o talento é capaz de superar os mais desastrosos cartolas. Têm tudo para fazer um jogaço. Domingo é dia de ir ao Pacaembu.

O lamentável Geninho
Tudo bem: futebol é esporte de contato físico, bafo no cangote faz parte do jogo. Mas é inaceitável a orientação de Geninho flagrada pela TV Globo em treino: "Ficou parado, chuta o tornozelo dele". Dias depois do feito de Felipe ao lembrar Garrincha, o técnico do Vasco volta a mostrar que a barbárie anda sempre à espreita.

Os ingressos sumiram
Flamengo e Vasco mereciam mesmo chegar à decisão no Rio. Seus torcedores é que não merecem penar horas em filas infindas sem conseguir comprar ingresso para a finalíssima. Na apoteose do campeonato, a máfia dos cambistas faz a festa, enquanto os clubes seguem quebrados e os jogadores não recebem.

E-mail
mario.magalhaes@uol.com.br


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