São Paulo, sábado, 16 de abril de 2005

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Zagueiro argentino deixa Brasil e diz levar marcas das algemas

Desábato, que amargou 36 horas de prisão após suposta ofensa racista a Grafite, embarca com compromisso de voltar se for chamado pela Justiça

Caio Guatelli/Folha Imagem
O zagueiro argentino Desábato corre após ser liberado no 13º DP


KLEBER TOMAZ
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA

SILVANA ARANTES
DE BUENOS AIRES

"Estou com as mãos machucadas por causa das algemas", afirmou o zagueiro argentino Leandro Desábato, 26, do Quilmes, que foi embora do Brasil ontem à noite levando como lembrança do país as marcas de ferimentos provocados nos pulsos quando havia sido transferido do 34º para o 13º Distrito Policial.
De acordo com Ítalo Miranda Júnior, delegado titular do 13º DP, Desábato foi algemado para que tivesse preservada sua integridade física, como determina a lei.
"As ferramentas do policial são a arma e a algema. E serão usadas quando houver necessidade, seja o preso quem for, artista ou jogador de futebol", justificou Miranda Júnior. "Se ele estivesse com as mãos soltas poderia ter alguma ação e dar problema."
A frase de Desábato foi reproduzida a pedido da Folha por Cristiano Maronna, um dos três advogados criminalistas contratados pelo Quilmes, por indicação do Consulado da Argentina, para cuidar da defesa do zagueiro.
"Quando o vi, ele esticou os pulsos sem as algemas e mostrou que estavam machucados", disse Maronna, que espera que o Ministério Público Estadual apure o fato. "Algum promotor poderia entrar com ação de abuso de autoridade contra o Estado."
Segundo o advogado, se o clube quiser, também pode entrar com uma ação civil contra o Estado, para pedir indenização pelo tratamento que teve o jogador.
"Toda a prisão foi um exagero. Um circo", disse Carlos Mendes, outro advogado, que impetrou pedido de liberdade provisória deferido pelo juiz Marcos Alexandre Zili, do Dipo (Departamento de Inquéritos Policiais).
Zili estipulou fiança de R$ 10 mil, paga ontem pelo Quilmes, e concedeu o alvará de soltura para Desábato, que antes havia passado por exame de corpo de delito feito por peritos do IML (Instituto Médico Legal) no 13º DP. O resultado do laudo não foi divulgado.
Após isso, o atleta foi para o Fórum da Barra Funda, no carro dos advogados, onde assinou um termo de compromisso na frente de Zili assumindo responsabilidade de comparecer ao Brasil para as audiências.
O vôo do jogador, que está em liberdade provisória, decolou de Cumbica às 19h05, com destino a Buenos Aires. Ele desembarcou na capital argentina às 21h59, também sem dar declarações.
Desábato, que ficou detido da 0h54 de anteontem até as 13h30 de ontem, foi indiciado sob acusação de crime de injúria qualificada (ofensa à dignidade com elementos de raça, cor, etnia, religião, origem ou condição de pessoa idosa ou deficiente).
Segundo depoimento à polícia do atacante Grafite, do São Paulo, Desábato o chamou de "negro de merda, filho-da-puta, negrinho" no fim do primeiro tempo do jogo São Paulo 3x1 Quilmes, na quarta, no Morumbi, pela Libertadores.
Depois do suposto xingamento, Grafite revidou com um tapa em Desábato e foi expulso. O argentino continuou em campo e, após o árbitro encerrar o jogo, recebeu ordem de prisão do delegado Osvaldo Nico Gonçalves, supervisor do Garra (Grupo Armado de Repressão a Roubos e Assaltos).
O zagueiro do Quilmes foi enquadrado no artigo 140, parágrafo 3º, do Código Penal brasileiro, que prevê pena de reclusão de um a três anos e multa.
Quando prestou depoimento à polícia, Desábato negou que tenha proferido palavras de ofensas racistas a Grafite. Afirma, porém, ter sugerido ao atacante que pegasse "a banana e enfiasse no c...", em resposta a um comentário que teria lido num jornal de que Grafite deveria comemorar um gol contra o Quilmes com um gesto imitando uma banana.
"Nosso atleta teve danos psicológicos e morais irreversíveis", afirmou Júlio García, vice-presidente do Quilmes.


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