São Paulo, domingo, 16 de abril de 2006

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Mão dupla

Jovens brasileiros são treinados com método italiano em projetos de Milan e Internazionale

RODRIGO MATTOS
DA REPORTAGEM LOCAL

Com a debandada de craques nacionais para a Europa, tornou-se rotina ver garotos brasileiros com camisas de times do continente. Mas a forma de jogar dos jovens, criativa e indisciplinada, era a mesma. Projetos de times italianos no país, porém, podem mudar esta realidade.
Rivais em Milão, Internazionale e Milan já têm programas para crianças brasileiras, com enfoques diferentes. Ambos adotam parte de sua metodologia de treinamento utilizada na Itália.
Em comparação com as práticas brasileiras, há mais repetições de fundamentos (dribles e condução), mais tempo de treino, mais exercícios físicos e mais bola na área. O garoto também começa a treinar mais cedo, seis anos contra sete dos brasileiros.
Nenhum dos dois clubes ensinou até agora os esquemas táticos italianos para os jovens, pois os projetos são embrionários. Mas ambos prevêem a formação de técnicos brasileiros por italianos, nos quais isso será desenvolvido.
"É um pouco estranho que se faça isso no Brasil", disse Massimo Moretti, presidente da Inter Futura, projeto social do clube para crianças, de 7 a 14 anos. "Acho que podemos ensinar coisas, o treinamento físico, por exemplo."
Com um projeto mais abrangente, cuja prioridade é atender crianças carentes, a Inter lançou, no mês passado, escolinha em São Paulo em que suas práticas são usadas pela primeira vez. É uma parceria com o Clube Paineiras, do Morumbi, na zona sul.
Antes, os italianos se limitavam a fornecer camisas e pagar treinadores, em núcleos pelo mundo e outros lugares do Brasil. Agora, o técnico das divisões de base, Aldo Montinari, viajou para dar instruções aos professores brasileiros.
Há três semanas, começaram a ser feitas mudanças nas práticas dos professores. A repetição de lances e os treinos físicos dividiram opiniões entre os alunos.
"Prefiro assim. Estamos treinando mais condicionamento e o coletivo é mais pesado", afirmou o estudante André Fernandes, 14. "Aos poucos, acho que vamos melhorar o nosso jogo."
Mas o coordenador da escolinha, Reginaldo Teixeira, identificou resistência entre os garotos que não queriam ficar repetindo fundamentos -havia previsão de sessões de 45 minutos de condução, por exemplo.
"Aqui o garoto acha que já sabe conduzir a bola. Não consegue ficar tanto tempo assim treinando", explicou ele. "Lá, eles repetem à exaustão."
Os italianos ainda prevêem ciclos de treinamento, de três meses a seis meses. O objetivo é concluí-los antes do inverno. No Brasil, há programação diária -a temperatura não impede o futebol.
Com as reclamações de alguns garotos, Teixeira começou a fazer modificações, misturando o método italiano com o que já praticava. Sua intenção é criar um curso híbrido e mostrá-los aos italianos.
No futuro, alguns professores brasileiros devem ir à Itália para conhecer as divisões de base da Inter. Por lá, funcionam 60 núcleos pelo país, todos treinando da forma determinada por um corpo de técnicos central.
Garotos também devem fazer temporadas na Itália, incluindo os carentes que serão treinados no Itaim Paulista, com parte dos custos bancados pelo Paineiras.
O projeto do Milan é mais comercial do que o do rival: é uma colônia de férias para crianças abastadas de todo o mundo, de oito a 13 anos, com o objetivo de divulgar sua marca.
No "Milan Júnior Camp", nome do programa, treinadores brasileiros também recebem instruções de técnicos italianos. O método é inspirado nas divisões de base da equipe, mas sem a competitividade dos juvenis milaneses. Em julho, deve haver uma clínica para técnicos locais com profissionais do Milan.
"A idéia não é o treinamento do garoto para competir", explicou o ex-jogador Leonardo, dirigente milanista. "No futuro, vamos estabelecer uma organização de técnicos locais", conta ele.
Hoje, nenhum dos dois clubes diz ter o objetivo de formar jogadores para suas equipes. Mas não descartam que seus projetos caminhem nessa direção ou que algum garoto que se destaque acabe na Itália. Afinal, seria um brasileiro, habilidoso, já adaptado à retranca e à força italiana.


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