|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
JUCA KFOURI
Ronaldinho, o outro
Enquanto o Fenômeno, por bem ou por mal, está pelas manchetes, o Gaúcho vai desaparecendo lentamente
RONALDINHO GAÚCHO em
2004 e 2005, quando eleito o
melhor jogador do mundo
pela Fifa, era, segundo José Miguel
Wisnik, uma verdadeira antologia
do futebol brasileiro.
"Ela dava o chapéu do Pelé, o toque do Romário, o calcanhar do Sócrates, a folha seca do Didi, as pedaladas do Robinho, o passe em concha do Ademir da Guia, enfim, era
uma síntese de uma porção de craques", afirma o autor do brilhante,
invejável e invejado "Remédio Veneno - O Futebol e o Brasil", livro
editado pela Companhia das Letras,
sucesso de público e crítica.
Exagero do professor, ensaísta,
músico e compositor, além de santista moldado pela areia das praias
dos que viram Dorval, Mengálvio,
Coutinho, Pelé e Pepe?
Não. Em 2004/2005, de fato, Ronaldinho Gaúcho era tudo isso.
A ponto de outro mestre, Tostão,
admitir a hipótese de vê-lo, na Copa
do Mundo que se aproximava, no nível de Pelé, de Mané Garrincha, de
Diego Maradona.
E talvez ninguém como Tostão
para poder dizê-lo, não só porque jogou com Pelé e Mané como porque,
ainda por cima, vê futebol e escreve
sobre futebol de modo a despertar
os mesmos sentimentos que Wisnik
causa com seu já clássico "Remédio
Veneno". E, se Tostão ousou na previsão que não se concretizou, porque a bola é impiedosa com quem a
trata com soberba ou se imagina
mais importante do que ela, diagnosticou, também com a precisão de
doutor versado nas coisas da mente,
o luto que se abateu sobre Ronaldinho desde a malfadada Copa da Alemanha, quase três anos atrás.
Ronaldinho não digeriu até hoje
aquela perda e não entendeu por
que tudo escapou por seus dedos.
Ele não deve nem mesmo saber
quando foi que começou a jogar
mais para os cinegrafistas e fotógrafos do que para seu time.
Aqueles mesmo olhos incapazes
de fitar o interlocutor numa simples
conversa, mas que olhavam para um
lado enquanto ele metia a bola no
outro, perderam a naturalidade. E o
que era gracioso, surpreendente e
imarcável, passou a ser previsível,
forçado e comum.
O que foi sem que ninguém explicasse como era, deixou de ser, do
mesmo modo, sem que houvesse
uma explicação para o vazio.
Vazio que deve inundar a alma do
craque -há tão pouco tempo a apenas um degrau da imortalidade, mas
hoje, ao cair das alturas, transformado só em mais um, miseravelmente
descartável.
O príncipe partido
Rogério Ceni estava em campo,
mas, às vezes, parecia não estar.
E, por isso, falhava como não costumava falhar.
O que o desconcentrava só ele saberá, se quiser, dizer. Mas, fosse o
que fosse, era demasiado para sua
cabeça suportar.
E o corpo pediu socorro. "Você
precisa descansar", avisou.
E eis que Rogério Ceni vive agora
seu exílio.
O herói se retira, temporariamente.
Tempo de se recuperar, tempo
para pensar.
Deixa órfã uma legião de fãs,
além de um bando de gente sã que
torce por sua rápida recuperação.
São insondáveis os mistérios da
mente, como os do coração.
blogdojuca@uol.com.br
Texto Anterior: Frase Próximo Texto: Corinthians repete estreia e avança Índice
|