São Paulo, sexta-feira, 16 de junho de 2006

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Clóvis Rossi

O belo adormecido

TOSTÃO tanto insistiu que a seleção brasileira tinha o sério problema de não ter problemas, de viver uma absoluta normalidade, que acabaram inventando um problema, chamado Ronaldo Nazário de Lima, o já não tão jovem talento que usa a camisa 9, por coincidência a de Tostão em 1970 (salvo erro de memória). Não, não é culpa de Tostão, antes que uma leitura apressada me intrigue com um admirável talento como jogador primeiro e como colunista agora (como médico, espero jamais precisar testar). A culpa é nossa, de jornalistas, torcedores e jornalistas-torcedores, que continuamos tratando Ronaldo como fenômeno depois que ele deixou de ser ou, no mínimo, congelou a excepcionalidade de seu talento. Ronaldo só foi mesmo fenômeno até o Barcelona. Depois, entremeou ausências, baixo rendimento, algumas poucas boas partidas e os gols na Copa de 2002, sem, no entanto, ter sido nela o "Fenômeno". É esse Ronaldo irregular o que está na Alemanha. O outro ou não existe mais ou pode eventualmente aparecer aqui e ali, mas ainda não o fez nem nas eliminatórias nem nos amistosos da seleção nem no Real. Porém, ou por homenagem ao "Fenômeno" que não o é mais ou por motivos que a cada um cabe explicar, o tratamento dado a ele foi o de Bela Adormecida que o beijo do frenesi da Copa despertaria. A explicação do técnico Parreira, após o jogo com a Croácia ("Está há dois meses sem jogar") chega a ser patética. A Fifa exigiu que o futebol fora Copa parasse dia 15 de maio, exatamente para dar um mês para que todos ficassem sem jogar, preparando-se. Parar de jogar, mas continuar treinando, é, pois, uma maneira digamos oficial de colocar alguém em forma, não de desidratá-lo futebolisticamente. Mais: Ronaldo não precisa mais ser motivo de crise, por jogar mal ou por ter tontura ou pelo que seja. Substituí-lo, hoje, é mais fácil do que talvez jamais tenha sido na história da seleção, pela quantidade de grandes atacantes e/ou armadores. Robinho, o substituto na terça, seria titular -e destaque- em qualquer seleção do mundo. Se até Pelé, que foi mais que Ronaldo, pôde ser substituído por Amarildo, que foi menos que Robinho, no título de 1962, qual é a crise chamada Ronaldo?

crossi@uol.com.br


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