São Paulo, quarta-feira, 16 de junho de 2010

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

JOHN CARLIN

Indignidade inglesa


É muito difícil enxergar que valor adicional a contratação de Capello trouxe para a Inglaterra


NENHUMA DAS outras grandes nações do futebol toleraria algo assim. Brasil, Argentina, Itália, Alemanha, Espanha ou França não sonhariam em nomear um estrangeiro como técnico de sua seleção.
Mas os ingleses, inventores do futebol e a nação mais orgulhosamente insular do planeta, não expressam nenhum ultraje quando as autoridades de seu futebol nomeiam um italiano como comandante de seu exército futebolístico. Em vez disso, saudaram a vinda de Fabio Capello, há dois anos, com a mesma fé, esperança e alívio com que receberam a nomeação de Winston Churchill para primeiro- -ministro no início da Segunda Guerra Mundial.
Esse sentimento não diminuiu até o começo desta Copa, não obstante a Inglaterra, mesmo suficientemente sólida nas eliminatórias, jogando contra rivais fracos, ter mostrado um jogo em sua maior parte descartável, sem graça e desarticulado. Como fez na estreia contra os EUA, no sábado, que terminou em um empate deprimente em 1 a 1.
Deixando de lado o azar espetacular do goleiro Robert Green, que vai continuar a acordar no meio da noite até chegar aos 75 anos de idade, gritando com a lembrança do gol que deixou passar -a não ser que se dê um tiro antes disso, coitado-, o que se viu foi a mesma velha Inglaterra. Não havia padrão de jogo nem nenhum estilo discernível, nem mesmo a capacidade de encadear mais de quatro passes, exceto, de vez em quando, em seu próprio meio-campo.
Capello, que tem dificuldade em entender inglês e demonstra coragem em falá-lo, reconheceu o fato após o jogo, quando disse que o que o deixou "feliz" na performance da equipe foi "o espírito inglês, o espírito de uma equipe que sempre briga para reconquistar a bola... que corre muito".
Em outras palavras, a qualidade principal da Inglaterra contra os EUA foi correr atrás e batalhar para recuperar a posse de bola. Bola que, com frequência, estava sob o controle dos americanos.
É muito difícil enxergar que valor adicional a contratação de Don Fabio trouxe para a seleção inglesa. Alguns brasileiros talvez tenham o mesmo sentimento em relação a Dunga. Mas, pelo menos, não sofrem a indignidade de saber que seu técnico nasceu em um país distante.

O britânico JOHN CARLIN é colunista do diário espanhol "El País" e autor de "Conquistando o Inimigo", livro que inspirou o filme "Invictus"

Tradução de CLARA ALLAIN

Texto Anterior: Chile x Honduras: Chilenos retornam após 12 anos ausentes
Próximo Texto: Por fim de jejum, técnico mexe no Uruguai
Índice



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.