São Paulo, domingo, 16 de agosto de 2009 |
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TOSTÃO Ordeiros e desordeiros
NA QUARTA-FEIRA , escrevi que o meio-campo da seleção é torto, desequilibrado. Há dois volantes pelo meio (Gilberto Silva e Felipe Melo), um armador pela direita (Elano, Ramires ou Kléberson), e não existe o armador pela esquerda, para fazer dupla com o lateral, na marcação e no apoio. Isso ficou evidente até na violenta pelada contra a Estônia. Se Maicon ou Daniel Alves tivessem o mesmo nível técnico e jogassem na lateral esquerda da seleção, não seriam tão bons como são pela direita. O esquema tático mais utilizado no mundo, desde a Copa do Mundo de 1966, introduzido pelos ingleses, é o com dois zagueiros, dois laterais, dois volantes, dois meias (um de cada lado) e dois atacantes. Tudo certinho, simétrico e equilibrado. Equilíbrio é a palavra-chave dos técnicos. Adoram ter um zagueiro mais viril e outro mais clássico, um volante mais pegador e outro mais habilidoso, um meia de cada lado e um atacante mais fixo, finalizador, e outro mais preparador, que se movimenta bastante. Tudo certinho, simétrico e equilibrado. A busca da ordem e do equilíbrio é importante para se fazer bem alguma coisa e para se formar um bom conjunto, no futebol e em qualquer atividade. Mas, quando a busca é obsessiva, tira a improvisação, a espontaneidade e a beleza das coisas. A busca da ordem é também uma maneira de o ser humano controlar o acaso e de conviver melhor com sua finitude. O perfeito equilíbrio é impossível, já que homens e mulheres são imperfeitos e desequilibrados. Os homens, um pouco mais. Os craques são os que desequilibram, transgridem e deformam. Para vencer uma equilibrada marcação, existe o drible desconcertante, o elástico, o da vaca, o lençol, e também o passe, de curva, de efeito, de rosca, de trivela e o vesgo, quando o jogador olha para um lado e toca para o outro. Os grandes talentos, até os gênios como Van Gogh, precisam ter também um aprendizado técnico. Pelé, Maradona e outros só foram fenomenais porque tinham muita técnica e sabiam fazer bem o básico. Muitos ótimos jogadores, extremamente técnicos, como Beckham, não se tornam craques porque são excessivamente repetitivos e previsíveis. Nunca vi Beckham sair do lado direito do campo, a não ser para bater faltas e escanteios. Não esqueço um filme sobre o pintor americano Jackson Pollock. Ele passou a vida pintando, insatisfeito, pois sabia que faltava algo em seu trabalho. Não sabia o que era. De repente, brincando, ele, em vez de passar o pincel, jogou a tinta na tela (técnica do gotejamento). Aí, nasceu um craque. É o que fazem as crianças mais novas. Brincam sem ordem. São desordeiras. As escolinhas de futebol, com seus chatos professores, com apitos e regras, inibem a criatividade dos meninos. Uma das coisas mais interessantes é ver um menino descobrir os vários sentidos de uma palavra e brincar de misturar seus significados. Deve ser o que fazem os grandes escritores. Todo ser humano sonha com 15 minutos de fama e de loucura. Nascemos loucos. A sociedade e/ ou um gene da ordem nos tornam equilibrados. Texto Anterior: A rodada: Inter vence fora e mantém chance de conquistar o turno Próximo Texto: Um ano após Pequim, Berlim testa Bolt Índice |
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