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BASQUETE
On the road
MELCHIADES FILHO
EDITOR DE ESPORTE
O ônibus lambia uma dessas
estradas com nome de presidente que cortam São Paulo, o asfalto molhado pela garoa. O horizonte brilhava vermelho diante
de nossos olhos vermelhos. De repente já estávamos na grande
avenida, observados por pinguços
e mendigos, uns sentados na calçada, outros saindo de botecos
disfarçados, as placas de neon brilhantes, o cheiro de fritura. "Chegamos à cidade, galera! Iurrú!"
O Fabão ergueu as mãos para o
céu -quer dizer, o teto- e soltou
um suspiro de hipopótamo. Cagava-se de medo de ônibus, o Fabão.
Trauma de infância ou sei lá o
quê. Ônibus não foram feitos para um cara do tamanho do Fabão. Ônibus não foram feitos para um cara do tamanho de um jogador de basquete. Principalmente um que ronca como o Fabão.
A primeira coisa a fazer seria
achar um canto tranqüilo para
estacionar o ônibus, um lugar fácil para a gente zarpar. Depois,
bastaria seguir a procissão de
mauricinhos e princesinhas de
olhos esbugalhados até o ginásio.
Foi então que o Alecsei levantou. Deve ter sido a centésima vez
que ele levantou nessa viagem.
Torto por causa das cãibras e
apertado pelos assentos, ele apalpou os bolsos e depois, ajoelhado,
o piso de lona preta e gosmenta.
"Droga! Nem me pagam e eu ainda perco a carteira!" E reclamou
das cãibras, do aperto dos assentos, dos joelhos doloridos. Mas
bastou reclamar do chão gosmento, e o ônibus se invocou. "Ai, meu
Deus, vai bater!", chorou o Fabão,
reagindo à freada brusca.
O buzinaço, fora, e o uivo de
susto que o Tanzânia deu, dentro,
despertaram os poucos que tinham dormido. A maioria passou a semana acordada, batendo
papo, blablablá de zumbis, comendo biscoito e outras porcarias
da estrada, enquanto eu lamentava o dinheiro que não ganhei
nesta vida e o tempo que desperdicei neste esporte. Também não
consegui pregar o olho. Fiquei namorando um mapa do Brasil. O
Paulistinha arrumou uma caneta
vermelha para eu pintar o trajeto
no mapa. Imaginei como seria
jóia cruzar o país em uma longa
linha vermelha. Mas, no final das
contas, o mapa virou um borrão,
tantas estradas e estradinhas.
Com a brecada, o Lulo voou do
banheiro para o colo do Tanzânia, que viajava só de fones de ouvido e shorts, pois o ar-condicionado quebrara 500 km e três partidas atrás. A molecada de Brasília riu. O Tanzânia, suado, fechou
a cara. O Lulo, melado por tabela,
fechou a cara. Quando avisou que
a privada tinha entupido, a molecada de Brasília fechou a cara.
Antes que o Alecsei levantasse
para reclamar, o Paulistinha pediu a palavra e improvisou discurso, falando do basquete como
se fosse a única coisa sagrada da
vida. O povo assentiu com a cabeça, olhando o chão, como um jovem pugilista no córner, que faz
você imaginar que está prestando
atenção em todas as palavras do
treinador, lançando um milhar
de "Sins" e "Issomesmos" inconseqüentes. A chuva parou, a moçada se vestiu de pé no corredor, a
carteira reapareceu no meio daquela zona, e o time desceu para
perder outro jogo e voltar para a
gaiola. Ah, que noite foi aquela.
Lar, doce lar 1
No Nacional masculino das estafantes maratonas rodoviárias, ficou
mais difícil vencer fora de casa. O índice é de 33,8%, contra 37,4% em
2003. Apenas dois dos 16 participantes ostentavam, até ontem, campanhas positivas na estrada: Uberlândia (invicto) e Ribeirão Preto.
Lar, doce lar 2
Os times que mais jogaram em casa? Flamengo (seis vezes) e Uberlândia e Ajax (cinco). Os times que fecharam o domingo no topo da
tabela? Flamengo (7v e 1d), Uberlândia (6v e 1d) e Ajax (6v e 2d).
Lar, doce lar 3
As equipes que mais atuaram longe de seu domínio? Campos, Ulbra
e Brasília (cinco vezes), respectivamente 6ª, 9ª e 14ª na classificação.
E-mail melk@uol.com.br
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