São Paulo, terça-feira, 17 de fevereiro de 2004

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BASQUETE

On the road

MELCHIADES FILHO
EDITOR DE ESPORTE

O ônibus lambia uma dessas estradas com nome de presidente que cortam São Paulo, o asfalto molhado pela garoa. O horizonte brilhava vermelho diante de nossos olhos vermelhos. De repente já estávamos na grande avenida, observados por pinguços e mendigos, uns sentados na calçada, outros saindo de botecos disfarçados, as placas de neon brilhantes, o cheiro de fritura. "Chegamos à cidade, galera! Iurrú!"
O Fabão ergueu as mãos para o céu -quer dizer, o teto- e soltou um suspiro de hipopótamo. Cagava-se de medo de ônibus, o Fabão. Trauma de infância ou sei lá o quê. Ônibus não foram feitos para um cara do tamanho do Fabão. Ônibus não foram feitos para um cara do tamanho de um jogador de basquete. Principalmente um que ronca como o Fabão.
A primeira coisa a fazer seria achar um canto tranqüilo para estacionar o ônibus, um lugar fácil para a gente zarpar. Depois, bastaria seguir a procissão de mauricinhos e princesinhas de olhos esbugalhados até o ginásio.
Foi então que o Alecsei levantou. Deve ter sido a centésima vez que ele levantou nessa viagem. Torto por causa das cãibras e apertado pelos assentos, ele apalpou os bolsos e depois, ajoelhado, o piso de lona preta e gosmenta. "Droga! Nem me pagam e eu ainda perco a carteira!" E reclamou das cãibras, do aperto dos assentos, dos joelhos doloridos. Mas bastou reclamar do chão gosmento, e o ônibus se invocou. "Ai, meu Deus, vai bater!", chorou o Fabão, reagindo à freada brusca.
O buzinaço, fora, e o uivo de susto que o Tanzânia deu, dentro, despertaram os poucos que tinham dormido. A maioria passou a semana acordada, batendo papo, blablablá de zumbis, comendo biscoito e outras porcarias da estrada, enquanto eu lamentava o dinheiro que não ganhei nesta vida e o tempo que desperdicei neste esporte. Também não consegui pregar o olho. Fiquei namorando um mapa do Brasil. O Paulistinha arrumou uma caneta vermelha para eu pintar o trajeto no mapa. Imaginei como seria jóia cruzar o país em uma longa linha vermelha. Mas, no final das contas, o mapa virou um borrão, tantas estradas e estradinhas.
Com a brecada, o Lulo voou do banheiro para o colo do Tanzânia, que viajava só de fones de ouvido e shorts, pois o ar-condicionado quebrara 500 km e três partidas atrás. A molecada de Brasília riu. O Tanzânia, suado, fechou a cara. O Lulo, melado por tabela, fechou a cara. Quando avisou que a privada tinha entupido, a molecada de Brasília fechou a cara.
Antes que o Alecsei levantasse para reclamar, o Paulistinha pediu a palavra e improvisou discurso, falando do basquete como se fosse a única coisa sagrada da vida. O povo assentiu com a cabeça, olhando o chão, como um jovem pugilista no córner, que faz você imaginar que está prestando atenção em todas as palavras do treinador, lançando um milhar de "Sins" e "Issomesmos" inconseqüentes. A chuva parou, a moçada se vestiu de pé no corredor, a carteira reapareceu no meio daquela zona, e o time desceu para perder outro jogo e voltar para a gaiola. Ah, que noite foi aquela.

Lar, doce lar 1
No Nacional masculino das estafantes maratonas rodoviárias, ficou mais difícil vencer fora de casa. O índice é de 33,8%, contra 37,4% em 2003. Apenas dois dos 16 participantes ostentavam, até ontem, campanhas positivas na estrada: Uberlândia (invicto) e Ribeirão Preto.

Lar, doce lar 2
Os times que mais jogaram em casa? Flamengo (seis vezes) e Uberlândia e Ajax (cinco). Os times que fecharam o domingo no topo da tabela? Flamengo (7v e 1d), Uberlândia (6v e 1d) e Ajax (6v e 2d).

Lar, doce lar 3
As equipes que mais atuaram longe de seu domínio? Campos, Ulbra e Brasília (cinco vezes), respectivamente 6ª, 9ª e 14ª na classificação.

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