Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
Brasil é fábrica de Ronaldos, diz Kaká
Craque fala sobre o drama do colega, seu ídolo de infância, e a relação ciclotímica entre os grandes esportistas e o público
Eleito o melhor do mundo pela Fifa no ano passado, jogador revela detalhes da lesão do "Fenômeno" e da
vida com a mulher, Caroline
RODRIGO BUENO
DA REPORTAGEM LOCAL
Kaká, o melhor jogador de futebol do mundo, viu de perto a
queda de Ronaldo, seu ídolo e
que acompanhou sua ascensão,
e falou à Folha, de longe, dos
momentos difíceis de outros
ídolos, como Guga.
O craque do Milan exalta a
capacidade do Brasil em produzir talentos, mas lembra que
o país muitas vezes não os valoriza e os cobra demais.
FOLHA - Há quatro anos, à Folha,
você disse que seria o melhor...
KAKÁ - Legal saber dessa reportagem. Foi mais do que eu
pensava. É uma coisa muito
boa. Aos poucos, você vai conquistando e vendo onde pode
chegar. Mas no começo da minha carreira não pensava que
as coisas iam acontecer na velocidade com que aconteceram.
Foi além do que pedi ou pensei.
FOLHA - Será o melhor de 2008?
KAKÁ - Gostaria de ser o melhor do mundo de novo.
FOLHA - Na hora do topo, o discurso em que agradeceu a Deus, ao São
Paulo e ao Milan já estava pronto?
KAKÁ - Não sabia se teria ou
não que falar. Vi as pessoas sendo chamadas e vi que eram discursos. Fui planejando o meu.
Quis falar um pouco das coisas
que aconteceram comigo. Do
São Paulo. Da minha vida com
Deus, que é uma coisa que falo
sempre. E valorizar o Milan. É
preciso jogar em um clube
grande, e em uma seleção importante, para ganhar prêmios
importantes.
FOLHA - Dá para repetir tudo?
KAKÁ - Esse será meu objetivo
maior. Ganhar tudo aquilo que
ganhei duas vezes.
FOLHA - Ronaldo foi seu ídolo...
KAKÁ - Depois que comecei a
jogar, ele sempre foi uma grande referência para mim. O que
ele fez em campo, a maneira como ele se comporta. Sempre
admirei o talento dele.
FOLHA - Ele só perde de Pelé?
KAKÁ - Para mim, depois do
Pelé, vem o Ronaldo. Respeitando todos os ídolos do futebol
brasileiro.
FOLHA - E a relação com ele?
KAKÁ - A gente tem uma amizade que foi se fortalecendo.
Fomos jogando na seleção, participando de coisas juntos, patrocinadores em comum... Até
jogarmos juntos no Milan. Sinto muitíssimo pelo que aconteceu com ele, não só por essa última lesão, mas por todas as outras no Milan. E agora essa é
mais séria. Triste.
FOLHA - Seedorf e Cafu estiveram
com ele após a lesão. E você?
KAKÁ - Estive com ele logo depois que se machucou. Desci e
fiquei no vestiário. Fiquei um
pouco dividido porque minha
mulher [Caroline] está grávida.
Voltei para casa, fiquei com ela,
mas em contato com o Ronaldo
o tempo inteiro até ele ir para
Paris. Depois da cirurgia, não
consegui mais falar com ele [a
entrevista foi anteontem à noite, véspera do jogo do Milan
com o Parma]. Mas ligo para
pessoas que estão próximas.
Ajudarei da maneira que conseguir e farei o possível para
que ele possa sair dessa, que
possa voltar a jogar com ele.
FOLHA - Além do Ronaldo, Guga
chorou nos últimos dias. Outros ídolos do esporte brasileiro, como Daiane [dos Santos] e Nenê, sofrem com
problemas físicos, médicos.
KAKÁ - O que estão atravessando são problemas físicos. O
atleta depende do corpo. O Guga conquistou tudo o que conquistou. Agora, chega um momento em que o corpo não
agüenta mais. Ele tentou, fez o
possível para voltar. Quando as
coisas não acontecem, você não
consegue ter o mesmo rendimento. O que me ajuda muito é
a minha espiritualidade. Mentalmente, levo isso para o trabalho. Um exemplo de atleta
que demonstra resistência é o
[ex-ciclista americano] Lance
Armstrong, que teve problema
parecido com o do Nenê [câncer] e conseguiu voltar.
FOLHA - O Brasil carece de ídolos?
KAKÁ - O Brasil sempre terá
ídolos. É uma fábrica de talentos. É o caso de o povo brasileiro saber valorizar os ídolos que
tem. O Ronaldo se machuca e
todo mundo fala dele, só que na
Copa de 2006 todo mundo o
criticava. Ele é um grande ídolo
do futebol brasileiro, como Cafu e Roberto Carlos.
FOLHA - Você se sente vítima de
preconceito?
KAKÁ - Nunca senti nenhum
preconceito por ter vindo da
classe média, diferentemente
da maioria dos jogadores. Nem
por religião. Agora, o ídolo é
contestado porque tem grande
responsabilidade. Tem que estar sempre dentro das expectativas que colocam sobre ele.
Muitas vezes, não só no meu
caso, são feitas coisas boas que
não vêm valorizadas como vem
a crítica. O Guga é um exemplo.
É o maior tenista que temos e
foi criticado. No momento em
que precisava de força, foi contestado, diziam que ele tinha
que parar. Nesse sentido falo
que os atletas brasileiros têm
que ser valorizados.
FOLHA - Você já foi tido como "pipoqueiro". Se não repetir 2007, acha
que virão pedras de novo?
KAKÁ - O atleta será sempre
cobrado. Se o Milan não ganhar
a Copa dos Campeões, pode ser
que eu venha a ser criticado.
Mas vai depender do meu desempenho. Críticas são naturais. Minha resposta procuro
dar em campo. Para todos os
que me criticavam, que falavam
que eu era pipoqueiro, que não
decidia, respondi em campo.
FOLHA - O ganho muscular que você teve só lhe trouxe benefícios?
KAKÁ - Eu me sinto bem. Tudo
o que fiz, todo o trabalho que fizeram comigo no São Paulo, só
me trouxe benefícios. Dores,
tendinite, é normal para um
atleta que joga tanto. Jogamos
em média 60 ou 70 partidas por
ano. É difícil entrar numa partida sem dor em algum lugar.
Você toma uma pancada e não
tem tempo de se recuperar.
FOLHA - E o papai Kaká?
KAKÁ - Curto todos os momentos. Passo a mão na barriga da
minha mulher. Quando ela fala
que ele está se mexendo, quero
sentir. É um menino, só não escolhemos o nome. Saímos para
comprar coisas, estamos preparando o quartinho. Meus
pais ficam indo e vindo para o
Brasil. Presente neste ano foi só
para o filho.
FOLHA - Pode ir para o Real Madrid,
outro clube, ou seguirá no Milan?
KAKÁ - Não me vejo saindo do
Milan. Nunca tive sonho de jogar num clube específico. No
São Paulo, falava que queria jogar em um grande clube europeu que brigasse por títulos, e o
Milan tem esse perfil. Estou em
casa. A gente não sabe o futuro,
mas meu pensamento é ficar, se
possível, toda minha carreira
no Milan, virar o capitão.
FOLHA - Não viverá no Brasil?
KAKÁ - Acho que o meu futuro
de casa vai ser no Brasil. Meu
primeiro filho vai crescer aqui,
passará a maior parte da infância fora do Brasil, mas, quando
eu falar "não quero mais futebol", provavelmente a gente vai
voltar para o Brasil. Gostaria
que meus filhos aprendessem
sobre o país, falassem português, escrevessem português...
FOLHA - Ainda quer ser pastor?
KAKÁ - Tenho preocupação
com os outros, claro. Procuro
falar, passar os valores bíblicos
em que acredito. A principal
forma de falar é com o comportamento. Isso de ser pastor é
uma outra história, depende de
um curso. É uma coisa para o final da carreira. Gostaria de me
aprofundar nos temas bíblicos.
FOLHA - Não é advertido por exibir
mensagem religiosa em campo?
KAKÁ - Sempre falam que é
proibido, que punirão com cartão. Normalmente, não mostro
camisa na hora do gol. A única
vez em que mostrei foi no Mundial [a final contra o Boca Juniors]. Tomei cartão amarelo.
FOLHA - Como vêem na Itália, tão
católica, e mundo afora sua ligação
com a Igreja Renascer em Cristo?
KAKÁ - A grande receita é o respeito. Assim sou tratado na Itália. Assim como respeito todas
as religiões, assim tem sido comigo. Quando você respeita, é
respeitado, no Brasil, onde for.
FOLHA - Dá para driblar a badalação, a condição de celebridade?
KAKÁ - Dá. Na maior parte do
tempo, fico em casa. Saio para
jantar com amigos, a família,
sempre meio particular. A parte pública é evento, jogo, prêmio. Mas isso é pré-acordado.
O problema é quando você é pego de surpresa. Evito multidão.
FOLHA - Quando nasce o bebê? Pega a final da Copa dos Campeões?
KAKÁ - Vai nascer no fim de
maio, comecinho de junho. A final é dia 21 de maio.
Texto Anterior: Painel FC Próximo Texto: Kaká abre nova caçada ao título de melhor do mundo Índice
|