São Paulo, domingo, 17 de fevereiro de 2008

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Brasil é fábrica de Ronaldos, diz Kaká

Craque fala sobre o drama do colega, seu ídolo de infância, e a relação ciclotímica entre os grandes esportistas e o público

Eleito o melhor do mundo pela Fifa no ano passado, jogador revela detalhes da lesão do "Fenômeno" e da vida com a mulher, Caroline


RODRIGO BUENO
DA REPORTAGEM LOCAL

Kaká, o melhor jogador de futebol do mundo, viu de perto a queda de Ronaldo, seu ídolo e que acompanhou sua ascensão, e falou à Folha, de longe, dos momentos difíceis de outros ídolos, como Guga. O craque do Milan exalta a capacidade do Brasil em produzir talentos, mas lembra que o país muitas vezes não os valoriza e os cobra demais.

 

FOLHA - Há quatro anos, à Folha, você disse que seria o melhor...
KAKÁ -
Legal saber dessa reportagem. Foi mais do que eu pensava. É uma coisa muito boa. Aos poucos, você vai conquistando e vendo onde pode chegar. Mas no começo da minha carreira não pensava que as coisas iam acontecer na velocidade com que aconteceram. Foi além do que pedi ou pensei.

FOLHA - Será o melhor de 2008?
KAKÁ -
Gostaria de ser o melhor do mundo de novo.

FOLHA - Na hora do topo, o discurso em que agradeceu a Deus, ao São Paulo e ao Milan já estava pronto?
KAKÁ -
Não sabia se teria ou não que falar. Vi as pessoas sendo chamadas e vi que eram discursos. Fui planejando o meu. Quis falar um pouco das coisas que aconteceram comigo. Do São Paulo. Da minha vida com Deus, que é uma coisa que falo sempre. E valorizar o Milan. É preciso jogar em um clube grande, e em uma seleção importante, para ganhar prêmios importantes.

FOLHA - Dá para repetir tudo?
KAKÁ -
Esse será meu objetivo maior. Ganhar tudo aquilo que ganhei duas vezes.

FOLHA - Ronaldo foi seu ídolo...
KAKÁ -
Depois que comecei a jogar, ele sempre foi uma grande referência para mim. O que ele fez em campo, a maneira como ele se comporta. Sempre admirei o talento dele.

FOLHA - Ele só perde de Pelé?
KAKÁ -
Para mim, depois do Pelé, vem o Ronaldo. Respeitando todos os ídolos do futebol brasileiro.

FOLHA - E a relação com ele?
KAKÁ -
A gente tem uma amizade que foi se fortalecendo. Fomos jogando na seleção, participando de coisas juntos, patrocinadores em comum... Até jogarmos juntos no Milan. Sinto muitíssimo pelo que aconteceu com ele, não só por essa última lesão, mas por todas as outras no Milan. E agora essa é mais séria. Triste.

FOLHA - Seedorf e Cafu estiveram com ele após a lesão. E você?
KAKÁ -
Estive com ele logo depois que se machucou. Desci e fiquei no vestiário. Fiquei um pouco dividido porque minha mulher [Caroline] está grávida. Voltei para casa, fiquei com ela, mas em contato com o Ronaldo o tempo inteiro até ele ir para Paris. Depois da cirurgia, não consegui mais falar com ele [a entrevista foi anteontem à noite, véspera do jogo do Milan com o Parma]. Mas ligo para pessoas que estão próximas. Ajudarei da maneira que conseguir e farei o possível para que ele possa sair dessa, que possa voltar a jogar com ele.

FOLHA - Além do Ronaldo, Guga chorou nos últimos dias. Outros ídolos do esporte brasileiro, como Daiane [dos Santos] e Nenê, sofrem com problemas físicos, médicos.
KAKÁ -
O que estão atravessando são problemas físicos. O atleta depende do corpo. O Guga conquistou tudo o que conquistou. Agora, chega um momento em que o corpo não agüenta mais. Ele tentou, fez o possível para voltar. Quando as coisas não acontecem, você não consegue ter o mesmo rendimento. O que me ajuda muito é a minha espiritualidade. Mentalmente, levo isso para o trabalho. Um exemplo de atleta que demonstra resistência é o [ex-ciclista americano] Lance Armstrong, que teve problema parecido com o do Nenê [câncer] e conseguiu voltar.

FOLHA - O Brasil carece de ídolos?
KAKÁ -
O Brasil sempre terá ídolos. É uma fábrica de talentos. É o caso de o povo brasileiro saber valorizar os ídolos que tem. O Ronaldo se machuca e todo mundo fala dele, só que na Copa de 2006 todo mundo o criticava. Ele é um grande ídolo do futebol brasileiro, como Cafu e Roberto Carlos.

FOLHA - Você se sente vítima de preconceito?
KAKÁ -
Nunca senti nenhum preconceito por ter vindo da classe média, diferentemente da maioria dos jogadores. Nem por religião. Agora, o ídolo é contestado porque tem grande responsabilidade. Tem que estar sempre dentro das expectativas que colocam sobre ele. Muitas vezes, não só no meu caso, são feitas coisas boas que não vêm valorizadas como vem a crítica. O Guga é um exemplo. É o maior tenista que temos e foi criticado. No momento em que precisava de força, foi contestado, diziam que ele tinha que parar. Nesse sentido falo que os atletas brasileiros têm que ser valorizados.

FOLHA - Você já foi tido como "pipoqueiro". Se não repetir 2007, acha que virão pedras de novo?
KAKÁ -
O atleta será sempre cobrado. Se o Milan não ganhar a Copa dos Campeões, pode ser que eu venha a ser criticado. Mas vai depender do meu desempenho. Críticas são naturais. Minha resposta procuro dar em campo. Para todos os que me criticavam, que falavam que eu era pipoqueiro, que não decidia, respondi em campo.

FOLHA - O ganho muscular que você teve só lhe trouxe benefícios?
KAKÁ -
Eu me sinto bem. Tudo o que fiz, todo o trabalho que fizeram comigo no São Paulo, só me trouxe benefícios. Dores, tendinite, é normal para um atleta que joga tanto. Jogamos em média 60 ou 70 partidas por ano. É difícil entrar numa partida sem dor em algum lugar. Você toma uma pancada e não tem tempo de se recuperar.

FOLHA - E o papai Kaká?
KAKÁ -
Curto todos os momentos. Passo a mão na barriga da minha mulher. Quando ela fala que ele está se mexendo, quero sentir. É um menino, só não escolhemos o nome. Saímos para comprar coisas, estamos preparando o quartinho. Meus pais ficam indo e vindo para o Brasil. Presente neste ano foi só para o filho.

FOLHA - Pode ir para o Real Madrid, outro clube, ou seguirá no Milan?
KAKÁ -
Não me vejo saindo do Milan. Nunca tive sonho de jogar num clube específico. No São Paulo, falava que queria jogar em um grande clube europeu que brigasse por títulos, e o Milan tem esse perfil. Estou em casa. A gente não sabe o futuro, mas meu pensamento é ficar, se possível, toda minha carreira no Milan, virar o capitão.

FOLHA - Não viverá no Brasil?
KAKÁ -
Acho que o meu futuro de casa vai ser no Brasil. Meu primeiro filho vai crescer aqui, passará a maior parte da infância fora do Brasil, mas, quando eu falar "não quero mais futebol", provavelmente a gente vai voltar para o Brasil. Gostaria que meus filhos aprendessem sobre o país, falassem português, escrevessem português...

FOLHA - Ainda quer ser pastor?
KAKÁ -
Tenho preocupação com os outros, claro. Procuro falar, passar os valores bíblicos em que acredito. A principal forma de falar é com o comportamento. Isso de ser pastor é uma outra história, depende de um curso. É uma coisa para o final da carreira. Gostaria de me aprofundar nos temas bíblicos.

FOLHA - Não é advertido por exibir mensagem religiosa em campo?
KAKÁ -
Sempre falam que é proibido, que punirão com cartão. Normalmente, não mostro camisa na hora do gol. A única vez em que mostrei foi no Mundial [a final contra o Boca Juniors]. Tomei cartão amarelo.

FOLHA - Como vêem na Itália, tão católica, e mundo afora sua ligação com a Igreja Renascer em Cristo?
KAKÁ -
A grande receita é o respeito. Assim sou tratado na Itália. Assim como respeito todas as religiões, assim tem sido comigo. Quando você respeita, é respeitado, no Brasil, onde for.

FOLHA - Dá para driblar a badalação, a condição de celebridade?
KAKÁ -
Dá. Na maior parte do tempo, fico em casa. Saio para jantar com amigos, a família, sempre meio particular. A parte pública é evento, jogo, prêmio. Mas isso é pré-acordado. O problema é quando você é pego de surpresa. Evito multidão.

FOLHA - Quando nasce o bebê? Pega a final da Copa dos Campeões?
KAKÁ -
Vai nascer no fim de maio, comecinho de junho. A final é dia 21 de maio.


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