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São Paulo, quinta-feira, 17 de abril de 2003

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FUTEBOL

Ô, raça (humana)

SONINHA
COLUNISTA DA FOLHA

O assunto é velho, mas me lembrei dele com o relançamento de "O Negro no Futebol", de Mario Filho.
Anos atrás houve uma confusão com Paulo Nunes, que teria chamado Rincón de macaco durante um entrevero em campo. No final do último Brasileiro, Deivid e Kléber disseram ter sido ofendidos de maneira semelhante por Diego. Paulo Nunes e Diego são racistas? Os dois (e seus amigos negros) garantiram que não. Eu acredito.
Na hora da raiva, todo mundo procura palavras sujas, ofensivas, degradantes. Há nomes de animais de todos os tipos: baleia, vaca, cachorro, veado... Cada um com seu alvo certo: "adianta" chamar de vaca gorda a vizinha magricela? Não, é preciso dizer que ela é uma lombriga ou barata amassada (não é uma sugestão!).
Eu confesso: às vezes xingo, a sério ou de brincadeira, alguém de "veado". Não tenho nada contra a homossexualidade (aliás, acho que nem cabe ser "contra" ou "a favor") e não uso a ofensa com a intenção de depreciar homossexuais. Como um amigo meu que é gay e reclama do excesso de frescuras dizendo: "Depois eu é que sou veado!". (Mas outros amigos gays e militantes antipreconceito, não se conformam com o Jabor dizendo "isso é veadagem" ou "coisa de veado" em algumas críticas no Manhattan Connection. Ou seja, me criticariam também.)
Prossigamos. Se um jogador xinga o outro de filho-da-puta, não quer dizer que tenha restrições à mãe dele. Ou às putas, para falar a verdade. Mas cada povo tem seu tabu, e essa é uma ofensa consagrada por aqui ("Consagrada", que heresia!).
Chamar um negro de "macaco" é usar uma linguagem podre -tanto quanto chamar um gordo de "baleia", não? É associar a imagem de uma pessoa a um animal com intenções depreciativas. Mas, embora os gordos sofram com preconceito (de preconceitos a raça humana tem fartura indigesta), a história dos negros é pior. O caso é mais grave porque, em função de erros criminosos e ignorâncias históricas, negros são mesmo considerados "seres inferiores" por muitos, que os ofenderiam com frieza e convicção.
Assim, é claro que a ofensa é racista (embora nossa "raça" seja , na verdade, uma só). Mas talvez o seu autor não seja racista. Mal-educado, grosseiro, estúpido, sim -mas talvez não racista. Só que não adianta tentar provar a falta de preconceito dizendo "eu tenho amigos negros". Porque nossos preconceitos sempre têm exceções, parêntesis, preferências. Não há um membro da Ku Klux Klan que é fã de Tiger Woods? Claro que essa primeira quebra no conceito de que "nenhum presta" deveria servir para derrubar toda a barreira de ignorância, mas nem sempre é assim que funciona.
Ainda temos que comer/repartir muito feijão-com-arroz para sanar o problema. Enquanto negros forem metade da população e minoria nas representações, enquanto forem os primeiros suspeitos e os últimos absolvidos, não poderemos dizer que o Brasil não tem racismo. Xingar no jogo é menos do que a ponta do iceberg.

Preto no branco
Resumindo esse samba de crioula doida: o sujeito pode até ter amigos negros e ser racista. Outro pode até xingar o adversário de macaco e não ser. Mas se é uma filha minha que xinga alguém desse jeito, eu acabo com a raça dela.

Lesado
Que o Guarani foi beneficiado com a inclusão na A-1 do Paulista, foi. Mas que foi lesado com a desclassificação na Copa do Brasil por um erro que não era seu, ah isso foi também. E muito. Como a CBF pode ser tão incompetente? Por que há tantas controvérsias sobre quem tem condição de jogo?

Acabou
O site futbrasil.com fechou. Que pena! Era bom e bonito.

E-mail
soninha.folha@uol.com.br


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