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Local de fracasso é hoje um condomínio de luxo
DOS ENVIADOS A BARCELONA
Ontem, no final de uma tarde
luminosa em Barcelona, os amigos Jordi, Eduard e Joan batiam
bola onde, há 20 anos, Paolo Rossi
fuzilou pela terceira vez o gol de
Valdir Peres e eliminou o Brasil
da Copa do Mundo de 1982.
Agora há um parque no local,
que serve como área de lazer para
um residencial de luxo, o Gran
Sarriá, construído sobre os escombros do lendário estádio.
O areal que abrigou o desajeitado toque de bola dos três estudantes fica justamente em cima da pequena área em que Rossi frustrou
o futebol-arte do Brasil.
Logo ao lado, no que era uma
das laterais do campo, o assessor
fiscal Manolo García, 44, sentado
num banco, lê "O Amor, as Mulheres e a Morte", do filósofo
Schopenhauer.
Quando descobre o tema da reportagem, revela-se um órfão espanhol da geração de 82. "Aquela
equipe do Brasil era formidável,
nunca vi nada igual. Foram eliminados porque insistiam em jogar
aberto. A eliminação foi um desgosto enorme para mim. Foi
quando vi que não há justiça no
futebol", afirma García.
Dos três jovens peladeiros, todos com 22 anos, só Jordi recorda
algo da Copa. "Não era o time de
Sócrates, Zico, Cerezo? Sei que
eles eram bons, vi em vídeos", diz
ele, que tinha dois anos em 1982.
Ali perto, onde um dia esteve o
meio-campo do Sarriá, o inglês
John Walker, 59, professor de línguas, desinteressado em futebol e
há dez anos na Espanha, come
uma maçã sentado noutro banco.
"É italiana, vi no saco quando a
comprei na quitanda", pragueja,
mostrando a fruta, e explica a
brincadeira. "Trabalho ali ao lado,
mas havia esquecido que aquele
jogo foi aqui. Que vergonha, perder logo da Itália... Aqui na Europa, eles [os italianos" não são
muito queridos, são falsos. Sorriem pela frente e te apunhalam
pelas costas", comenta.
John Walker ("Ninguém acredita no meu nome", conta) viu
Itália 3 x 2 Brasil pela TV, mas não
lembra bem. Devora a maça italiana e vai embora, criticando a
elitização de Sarriá, o bairro dos
endinheirados de Barcelona, onde mora o meia-atacante brasileiro Rivaldo. "Não há metrô por
perto. Aqui todos têm carro."
Em 1997, atolado em dívidas, o
Espanyol, cujo time B foi goleado
ontem pela seleção, decidiu vender o terreno do Sarriá, até então
o seu estádio. Quem comprou,
por US$ 60 milhões, foi Florentino Pérez, presidente do Real Madrid e dono da ACS, a maior construtora da Espanha.
O estádio foi implodido, e nasceu o luxuoso condomínio.
Ontem, num contêiner-escritório ao lado do parque, engenheiros e arquitetos tomavam champanhe para comemorar a conclusão do terceiro bloco do conjunto,
que tem ao todo 300 apartamentos, de 100 a 250 m2, com dois a
seis quartos. Custam entre US$
400 mil e US$ 1 milhão. O local da
segunda maior tragédia do futebol brasileiro em Copas virou sonho de consumo dos milionários
de Barcelona.
(FV, JAB E SR)
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