São Paulo, quinta-feira, 17 de junho de 2010

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Reality Maradona show

Na Copa, mística do ex-camisa 10 une argentinos, desconcerta a mídia e provoca temor de revés

JOSÉ GERALDO COUTO
ENVIADO ESPECIAL A PRETÓRIA

Entre bufão e popstar, Diego Maradona é, até agora, o grande personagem desta Copa do Mundo. Tudo o que ele faz ou diz vira manchete de jornal e ganha destaque na TV, na internet, no rádio.
Maradona, goste-se ou não, está em toda parte.
A própria imprensa argentina, que o bombardeou de críticas durante as eliminatórias sul-americanas, parece ter-se rendido ao astro, adotando atitude quase unânime de apoio e otimismo.
Em retribuição, o treinador brinda os jornalistas compatriotas com tiradas espirituosas, gestos histriônicos e tratamento afetuoso. Na coletiva de ontem, por exemplo, puxou um coro de "Parabéns a Você" ao ser informado de que um veterano cronista fazia aniversário.
No treinamento de anteontem, ao avistar um cinegrafista de TV seu conhecido, ajoelhou-se no gramado e gritou: "Tire essa jaqueta horrorosa, filho da puta".
Nem parece que, há poucos meses, ao se classificar de maneira dramática para a Copa de 2010 na última hora, diante do Uruguai, Maradona desabafou com gestos obscenos e palavrões contra a imprensa argentina.
Para todos os efeitos, instalou-se em Pretória, onde a Albiceleste treina e se concentra, uma "família Maradona", que inclui jogadores, comissão técnica, jornalistas e até torcedores, entre os quais muitos "barras bravas" que voaram para a África com a delegação.
Sempre muito político, Maradona abraçou a causa das Avós da Praça de Maio, atacou Pelé por ter duvidado da capacidade da África do Sul de realizar a Copa do Mundo e chegou ao ápice da diplomacia (ou da demagogia) ao declarar que a insossa Pretória "é uma das cidades mais lindas do mundo".
Por ser supersticioso, um dia antes de embarcar para o Mundial na África do Sul, Maradona tatuou no braço o nome de seu neto, Benjamin, filho de sua filha Giannina com o atacante Agüero, reserva da seleção argentina.
O treinador considera o neto (que chegou à África do Sul na semana passada, trazido pela mãe e pela avó, Claudia) um talismã para a conquista da Copa.
Entre as exigências estranhas que fez em defesa de seus pupilos está a troca das tampas de privada do campo de treinamento da equipe, na Universidade de Pretória.
Perplexa, encantada, a mídia de todo o planeta procura decifrar o enigma Maradona. O britânico "Sunday Times", ao estampar foto do Pibe contemplando a bola Jabulani como Hamlet diante da caveira, pergunta: "Há um método nessa loucura?".
Boa pergunta. Para Daniel Lagares, cronista do diário portenho "Clarín", Maradona está "aprendendo" a ser treinador. "O problema é que esse aprendizado se dá em pleno Mundial, sem possibilidades de erro", declarou.
Para se sentir seguro, o técnico se cercou de amigos e ex-companheiros de seleção, como seus auxiliares-técnicos Alejandro Mancuso (ex-Palmeiras e Flamengo) e Héctor Enrique. Outros, como Ruggeri e Batistuta, vão com frequência aos treinos.
"Ele quer ser motivador e estrategista. Uma mescla, como ele diz, de Menotti com Bilardo", falou Marcelo Sottile, repórter do diário "Olé", referindo-se aos técnicos que levaram a Argentina a dois títulos mundiais, em 78 e 86.
O fato de atrair para si toda a atenção da mídia é visto como positivo pelo time. "Isso reduz a pressão sobre nós", disse o zagueiro Heinze.
Uma tática inteligente do comandante? Não. "Isso é mais espontâneo do que pensado", diz Lagares, do "Clarín". "O fato é que ele tem um ego tremendo, que faz com que atraia nosso interesse."
Para Sottile, do "Olé", "Maradona é um reality show em si mesmo. Desde os 15 anos, as câmeras o seguem, e ele sabe manobrá- -las como ninguém."
O carisma de Maradona é uma faca de dois gumes. "Na Argentina, há uma ideia generalizada de que Maradona torna tudo possível", pondera Lagares. "Há um imaginário popular no qual Maradona continua instalado como jogador. Então aparecem essas fantasias, esses pensamentos mágicos de crer que com Maradona tudo se resolve. Mas não é assim, claro."
O temor dos mais lúcidos é que essa união em torno de Maradona desmorone ao primeiro revés do time, dada a personalidade vulcânica do ex-atleta. Afinal, com don Diego é tudo ou nada, céu ou inferno, sem escalas.


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