São Paulo, sábado, 17 de julho de 2004

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FUTEBOL

Viva a diferença

JOSÉ GERALDO COUTO
COLUNISTA DA FOLHA

A reportagem de Sérgio Dávila sobre o relatório da ONU "Globalização e escolha cultural", publicada ontem na Folha, confirma o que já se podia observar a olho nu: no bojo da hegemonia cultural norte-americana, ocorre uma uniformização do gosto e dos hábitos (sobretudo de consumo) em todo o mundo globalizado.
E o que isso tem a ver com futebol? Para quem, como eu, vê esse esporte de massa como uma manifestação cultural, tem absolutamente tudo a ver.
No futebol, com raras exceções, também tem imperado a mesmice. Os times jogam, ou tentam jogar, de um jeito parecido, os atletas tendem a fazer as jogadas mais previsíveis, os técnicos preparam as estratégias mais convencionais. Nivelamento por baixo, sim, por mais que a expressão pareça antipática ou saudosista.
Claro que continuam a existir os craques, os jogadores de exceção, os "diferenciados", para usar a expressão corrente.
E são eles que mantêm o futebol vivo. São eles a única esperança de que não prevaleça o pragmatismo aborrecido de equipes como o Once Caldas ou a seleção grega. Chega de demagogia: se esse é o futebol do futuro, estou fora.
Vou ao estádio, ou sintonizo a TV, para ver aquilo que estimula a minha imaginação e amplia a minha sensibilidade. E isso só é possível com os times taticamente ousados e, especialmente, com os jogadores com estilo próprio, avessos ao figurino dominante.
Às vezes, um único lance de talento e clarividência nos dá alento para suportar horas sem fim de futebol medíocre e medroso.
Na seleção B do Brasil que disputa a Copa América, esses lances têm sido raros. Cito dois: o lançamento à la Gérson que Alex deu para Adriano marcar o primeiro gol contra a Costa Rica e o golaço que Luis Fabiano fez contra o Paraguai. O resto foi de uma aridez deprimente, apenas parcialmente justificada pela necessidade de testar jogadores e adquirir entrosamento aos poucos.
Já que estamos falando em estilo e em diferença, não vejo sentido, por exemplo, na utilização de um atleta como Gustavo Nery para fazer de modo muito piorado o que Roberto Carlos faz na seleção A. Seria muito mais produtivo, a meu ver, experimentar por ali um lateral ou ala de outro estilo, como o santista Léo, o cruzeirense Leandro ou o palmeirense Lúcio, atletas mais leves, habilidosos, capazes de driblar e tabelar, e não apenas de jogar a bola para a frente, correr, trombar com o rival e desferir petardos sem direção.
Claro que, como já escrevi, Parreira tem sua filosofia de trabalho, assentada sobre uma frieza e uma paciência estranhas ao nosso modo mais passional de ver o jogo. Às vezes essa estratégia é coroada com o êxito.
Mas um pouco de invenção e ousadia é vital. Para que a arte do futebol não morra. Para que o futebol não ajude a TV idiotizada, o cinemão americano e a indústria radiofonográfica do jabá a embotar nossa sensibilidade e a nos tornar consumidores do sempre igual.

Briga indesejável
Num contexto futebolístico em que rareiam os atletas capazes de organizar o jogo com talento e lucidez, é lamentável o atrito entre o técnico Estevam Soares, do Palmeiras, e o meia Pedrinho. Sem o jogador, o alviverde torna-se um time comum, sem padrão, que joga na base do bumba-meu-boi. Pode até vencer, mas sem brilho. Para o bem do Palmeiras, tomara que os dois se entendam.

Santos nas alturas
Não era difícil prever que o Santos chegaria ao topo da tabela. O surpreendente foi a rapidez com que isso aconteceu. A fulminante arrancada santista só deixa no ar um receio: o de que o time de Luxemburgo atinja o ápice antes da hora, que "vire o fio", entrando em declínio na reta final.

E-mail jgcouto@uol.com.br


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