São Paulo, terça-feira, 17 de agosto de 2004

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O MARATONISTA

A procissão acaba em quermesse, onde a personagem Shirley Valentine existe e vende quinquilharias; depois, um convite ao maior cinema ao ar livre de Atenas ignora o filme e vira cenário para um bate-papo

Vida real e cinema

PAULO SAMPAIO
ENVIADO ESPECIAL A MÁTI

Centenas de Marias e não-Marias acompanham a procissão das Panagiotas (diz-se Panaiótas), em Máti. O prefeito, uma banda, um grupo de soldados marchando e três padres de barbas imensas seguem dois rapazes que carregam um quadro com a imagem da Virgem Maria, a partir da igreja.
Na quermesse, vende-se desde o pôster da seleção grega de futebol, em foto tirada no dia da vitória contra Portugal (1), até bolsas Louis Vuitton "legítimas" (40), panelas e sapatos. "De alguma maneira, eu me identifico bastante com Shirley Valentine", diz a inglesa Wendy Kumburis, 53, referindo-se ao filme cuja personagem-título abandona tudo em Londres para morar em uma ilha grega. Dona de uma barraca de "antigüidades", Wendy vive em Máti desde 1987, quando veio passar férias e conheceu o marido grego, que na ocasião era professor de windsurfe.
Ela conta que a princípio ficou "homesick" (com saudades da família), mas hoje está completamente recuperada. "Sou apaixonada por isso aqui, não troco por nada", diz Wendy, vestindo short, blusa de alcinha e segurando uma caçarola de cobre na mão.
Uma das que ouvem o diálogo (qualquer conversa particular, aqui, vira pública em segundos), é Elizabeta Kitsou, 49, cujo apelido soa "Veta" (o "b" tem som de "v"): ela conta que é dona do maior cinema ao ar livre de Atenas, que fica na região de Kalitéa, no sudoeste, e tem capacidade para 2.000 pessoas. Veta explica que o cinema só funciona no verão; no inverno, ela ganha dinheiro em outro, coberto, perto daquele...
"Você não quer ir lá agora?", pergunta.
Não: a procissão está de bom tamanho para terminar o fim-de-semana. O cinema fica para o dia seguinte (ontem) à noite.
A caminhada recomeça pela manhã: logo depois da saída de Máti, segue-se uma grande curva em "s", com aclives e declives suaves (de carro, ninguém perceberia nada). O problema é que, durante um bom trecho, não há calçada, só mato, barranco e sol na cabeça.
A andança termina em cerca de 1,4 km, na entrada para Neos Voutzas: depois do almoço, à tarde, tem descanso e, à noite, cineminha ao ar livre.
A primeira sessão começa às 20h50 (depois que escurece) e a segunda e última, às 23h10: o lugar é uma espécie de drive-in sem carros nem "segundas intenções" por parte de quem vai. Ao contrário, desde a entrada tudo parece muito familiar: o marido de Veta e um amigo conversam sentados em cadeiras de palha, como dois compadres do interior, e não há roleta para acessar a sala de projeção, só uma porta que fica permanentemente aberta.
O público assiste ao filme em cadeiras de ferro azul-turquesa, com mesinhas, onde se come, bebe e fuma. A entrada custa 7, a pipoca, 1,40, e a cerveja, 2 . Veta fica o tempo todo preparando "giros" (carneiro assado no espeto rotativo) e "souvlakis" (espetinhos de carne) no bar ao fundo, embaixo da sala de projeção.
O nome do filme é "Warriors of Heaven and Earth" ("Guerreiros do Céu e da Terra") e, por mais que se tente acompanhar, só dá para perceber que é um épico: Veta fala o tempo todo, e com tanta familiaridade, que o visitante se sente como se estivesse na cozinha da própria casa.
"Toda semana muda o filme. O próximo é um de suspense com o Robert de Niro, não me lembro do nome", diz ela, que tem dois filhos adolescentes.
Apesar do tamanho do cinema, só 60 pessoas assistem ao filme; a maior lotação que Veta conseguiu neste verão foi com "O Homem-Aranha", 350 pessoas na estréia.
Um "giros" e dois "souvlakis" depois, o filme acaba: na maratona de amanhã, espera-se perder calorias.


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