São Paulo, segunda-feira, 18 de fevereiro de 2008

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SONINHA

Tendões e carreiras em risco


Com todos os perigos envolvidos, o doping tem seus atrativos; será que adianta evitar discuti-lo?


"NÃO HÁ MAIS no mundo quem não saiba que fumar faz mal. Superada a fase de desmentidos cara-de-pau da indústria tabagista, condenada a pagar milhões em indenizações por suas propagandas enganosas e manipulação de dados, estamos todos cientes de que cigarro causa dependência, ataca órgãos vitais, prejudica funções do organismo e pode causar doenças às vezes fatais. Hoje isso é tão admitido e sabido que a indústria usa o próprio conhecimento em sua defesa quando é processada pela morte de um fumante.
Mesmo assim, fuma-se. Jovens e adultos começam a fumar sem acreditar que podem sofrer uma barbaridade. A morte ou a amputação de um membro parecem impossíveis - ou tão distantes que não vêm ao caso. Importa viver com prazer e impressionar os outros; agonizar em uma cama de hospital daqui a cinqüenta anos parece até um preço justo. ""Cigarro mata lentamente? Ok, não quero morrer rápido", diz a camiseta que provoca sorrisos. Fumantes parecem desmiolados?
Levante a mão quem nunca se expôs, mais ou menos conscientemente, à possibilidade de danos ou problemas. Comemos muito mal e nem pensamos em artérias entupidas; dormimos menos que o recomendável, dirigimos falando ao celular, transamos sem camisinha.
Não sei se os outros animais o fazem se tiverem escolha; sei que humanos gostam de correr riscos. Porque querem muito alguma coisa; porque não botam fé nas conseqüências negativas. Se não fôssemos assim, provavelmente não teríamos o avião nem o Cirque du Soleil, mas nem toda audácia tem resultados tão belos. Atletas de ponta estão cansados de saber que substâncias que podem melhorar seu desempenho também podem fazer muito mal. E, caso sejam detectadas, trazer prejuízos consideráveis. Afastam patrocinadores, excluem de competições, invalidam resultados, encurtam a carreira, desmoralizam.
Mesmo com doping, o esforço e os sacrifícios de um competidor de elite são descomunais. Por que correr o risco de por tudo a perder? Alguns correm. Talvez muitos. Na Olimpíada de Sydney, eu apostava que Marion Jones, tão visada, não seria louca de usar algo proibido. Casos de atletas flagrados e humilhados haveriam de assombrá-la. Anos depois, a divina Marion, de sorriso encantador e talento incrível, se converteu em mais um exemplo de farsa e deslealdade. Triste principalmente para ela.
O assunto doping, que nunca some da pauta, ganhou destaque outra vez com a contusão de Ronaldo. Como sempre, levantou-se a hipótese de seu ganho muscular ter sido anabolizado no tempo em que jogou na Holanda. Seria essa mais uma eterna lenda urbana, paranóia coletiva sem fundamento, ou algo que um dia será revelado espetacularmente e, ao mesmo tempo, sem surpresa?
O médico que ousou dizer o que muitos pensam perdeu o emprego na CBF. Pelo que entendi, ele não duvida que Ronaldo tenha sido ""bombado" sem ao menos saber.
Nem eu. De todo modo, investigar a sério não faria mal a ninguém e talvez pudesse, com a demonstração das conseqüências tardias, desencorajar pessoas dispostas a correr riscos (ou infligi-los a alguém).

soninha.folha@uol.com.br


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