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São Paulo, terça-feira, 18 de março de 2003

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FUTEBOL

Síndrome de Gasparzinho

JOSÉ ROBERTO TORERO
COLUNISTA DA FOLHA

Espiritual leitor, espirituosa leitora, analisemos estes dois exemplos:
"A" se destaca nos estudos. Ela é competente, disciplinada, estudiosa. Porém, na hora da chamada oral, suas mãos suam, seu estômago parece dar voltas e ela só não gagueja porque não consegue falar. Resultado: nota zero.
"B" é apaixonado por sua amiga de escola. Numa festa, ela se aproxima dele e sorri. Porém, em vez de convidá-la para dançar, só o que consegue dizer é: "Com licença, vou ao banheiro". E de lá não sai até o final da festa.
Tanto "A" como "B" padecem de um problema ainda pouco estudado, cujo nome é Síndrome de Gasparzinho, uma disfunção descoberta pelo psicanalista inglês Casper Ghost e que consiste numa violenta diminuição da energia quando se chega perto do objetivo final.
Segundo o Ministério da Saúde, não há ainda ocorrências oficiais no país, mas, analisando duas partidas do último fim de semana, descobri alguns casos que merecem pelo menos uma bateria prévia de exames.
O primeiro seria o meia Felipe, hoje no Flamengo. Todos sabemos que ele é um jogador talentoso, dono de uma habilidade invejável. Quem assistiu ao último Fla-Flu, no entanto, ficou frustrado. No primeiro tempo, ele raramente se apresentou para receber a bola e, quando a recebeu, procurou livrar-se dela o mais rápido possível. Não foi diferente no segundo tempo, e ele foi uma ilusão de ótica, uma sombra.
Não sei se isso serve de consolo, mas Felipe não foi o único contaminado. Fernando Baiano parecia dormir em campo, e Lopes (aquele) nem no banco ficou.
Na decisão paulista, anotei pelo menos dois casos: pelo lado corintiano, Jorge Wagner; pelo são-paulino, Kaká.
Tirante o passe para o gol de Fábio Luciano, Jorge Wagner foi uma figura apagada no conjunto alvinegro. É verdade que esteve bem marcado, mas não é mentira que faltou espírito ao atleta. Ele fez uma partida burocrática e até decepcionante para quem vinha sendo apontado como o definitivo substituto de Ricardinho.
Kaká, mesmo levando-se em conta o fato de não estar em plenas condições físicas, também teve uma atuação sem alma. Foram muitas trombadas, passes errados e uma correria sem grandes consequências para as ações ofensivas do time. Reconheço que ele é um ótimo jogador e pode definir a partida no sábado, mas desta vez foi apenas uma aparição.
Nessa altura, o leitor, preocupado, deverá estar se perguntando: existe cura para a Síndrome de Gasparzinho? Não sou médico, mas posso citar pelo menos um exemplo animador: Robert.
Jogando pelo Santos, pelo Atlético-MG e pelo São Caetano, ele deixou a impressão de se transformar num fantasma em dias de final. Mas, na decisão do último Brasileiro, ele mostrou garra e se esforçou até o último minuto.
Talvez o seu caso seja um sinal de esperança para as atuais assombrações, espectros e abantesmas do futebol.

O
Ostermann era russo (ou mongol, ou macedônio). O certo é que falava uma língua estranhíssima. Havia chegado há poucos dias para trabalhar numa fábrica em Brasiléia (AC) e, quando soube que haveria um jogo de futebol, fez questão de participar. Ostermann não entendia uma palavra de português, e essa foi a sua sorte. Depois que ele falhou no lance do gol adversário, a torcida xingou-o de todos os nomes, fez-lhe gestos obscenos e ameaçou-o de morte. Porém, sem tradutor, ele entendeu aquilo como incentivo e apoio. Então se esforçou ao máximo: deu o passe para o gol de empate e fez o da vitória. No final, saiu carregado pela multidão, achando que a torcida brasileense (e brasileira) era a mais compreensiva e gentil do universo.

E-mail torero@uol.com.br


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