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FUTEBOL
Síndrome de Gasparzinho
JOSÉ ROBERTO TORERO
COLUNISTA DA FOLHA
Espiritual leitor, espirituosa leitora, analisemos estes dois exemplos:
"A" se destaca nos estudos. Ela é
competente, disciplinada, estudiosa. Porém, na hora da chamada oral, suas mãos suam, seu estômago parece dar voltas e ela só
não gagueja porque não consegue
falar. Resultado: nota zero.
"B" é apaixonado por sua amiga de escola. Numa festa, ela se
aproxima dele e sorri. Porém, em
vez de convidá-la para dançar, só
o que consegue dizer é: "Com licença, vou ao banheiro". E de lá
não sai até o final da festa.
Tanto "A" como "B" padecem
de um problema ainda pouco estudado, cujo nome é Síndrome de
Gasparzinho, uma disfunção descoberta pelo psicanalista inglês
Casper Ghost e que consiste numa
violenta diminuição da energia
quando se chega perto do objetivo
final.
Segundo o Ministério da Saúde,
não há ainda ocorrências oficiais
no país, mas, analisando duas
partidas do último fim de semana, descobri alguns casos que merecem pelo menos uma bateria
prévia de exames.
O primeiro seria o meia Felipe,
hoje no Flamengo. Todos sabemos que ele é um jogador talentoso, dono de uma habilidade invejável. Quem assistiu ao último
Fla-Flu, no entanto, ficou frustrado. No primeiro tempo, ele raramente se apresentou para receber
a bola e, quando a recebeu, procurou livrar-se dela o mais rápido
possível. Não foi diferente no segundo tempo, e ele foi uma ilusão
de ótica, uma sombra.
Não sei se isso serve de consolo,
mas Felipe não foi o único contaminado. Fernando Baiano parecia dormir em campo, e Lopes (aquele) nem no banco ficou.
Na decisão paulista, anotei pelo menos dois casos: pelo lado corintiano, Jorge Wagner; pelo são-paulino, Kaká.
Tirante o passe para o gol de
Fábio Luciano, Jorge Wagner foi
uma figura apagada no conjunto
alvinegro. É verdade que esteve
bem marcado, mas não é mentira
que faltou espírito ao atleta. Ele
fez uma partida burocrática e até
decepcionante para quem vinha
sendo apontado como o definitivo substituto de Ricardinho.
Kaká, mesmo levando-se em
conta o fato de não estar em plenas condições físicas, também teve uma atuação sem alma. Foram muitas trombadas, passes errados e uma correria sem grandes
consequências para as ações ofensivas do time. Reconheço que ele é
um ótimo jogador e pode definir a
partida no sábado, mas desta vez
foi apenas uma aparição.
Nessa altura, o leitor, preocupado, deverá estar se perguntando:
existe cura para a Síndrome de
Gasparzinho? Não sou médico,
mas posso citar pelo menos um
exemplo animador: Robert.
Jogando pelo Santos, pelo Atlético-MG e pelo São Caetano, ele
deixou a impressão de se transformar num fantasma em dias de final. Mas, na decisão do último Brasileiro, ele mostrou garra e se
esforçou até o último minuto.
Talvez o seu caso seja um sinal de esperança para as atuais assombrações, espectros e abantesmas do futebol.
O
Ostermann era russo (ou mongol, ou macedônio). O certo é
que falava uma língua estranhíssima. Havia chegado há
poucos dias para trabalhar numa fábrica em Brasiléia (AC) e,
quando soube que haveria um
jogo de futebol, fez questão de
participar. Ostermann não entendia uma palavra de português, e essa foi a sua sorte. Depois que ele falhou no lance do
gol adversário, a torcida xingou-o de todos os nomes, fez-lhe gestos obscenos e ameaçou-o de morte. Porém, sem tradutor, ele entendeu aquilo como
incentivo e apoio. Então se esforçou ao máximo: deu o passe
para o gol de empate e fez o da
vitória. No final, saiu carregado
pela multidão, achando que a
torcida brasileense (e brasileira) era a mais compreensiva e
gentil do universo.
E-mail torero@uol.com.br
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