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MOTOR
A F-1, nua e crua
JOSÉ HENRIQUE MARIANTE
EDITOR-ADJUNTO DE ESPORTE
Zeltweg foi uma corrida
cruel. De tempos em tempos,
não encontro explicação para isso, a F-1 produz corridas assim,
cheia de ocorrências, como se fosse um episódio de Speed Racer,
onde acontece de tudo e os rivais
não são simplesmente ultrapassados, precisam explodir em fogo e
fumaça antes de sumirem da tela.
Ninguém se revolta com a violência do desenho, pois existe nele
um sentido de justiça. Maniqueísta, simplista, mas existe. Speed e o
Corredor X não são esportistas,
são soldados a serviço do bem ou
qualquer coisa assim. A vitória
cabe a eles, os justos. A derrota,
aos vilões, com ou sem fogo.
Zeltweg mandou gente para o
hospital, fez vários pilotos abandonarem seus carros em chamas.
Mas ninguém vai lembrar disso,
claro. Ao contrário de Imola-94 e
de outras corridas trágicas, não
foram os justos a padecer no incinerador, foi o chamado resto.
O olhar assustado de Sato na janela do helicóptero foi apenas
mais uma cena. A corrida austríaca foi cruel por afrontar o público e sua noção de justiça, que é
bem semelhante àquela experimentada no desenho. O mais rápido não venceu, foi alijado da vitória pela Equipe X, que no domingo atendia pelo nome de Scuderia Ferrari e usou o rádio como
arma letal a metros da chegada.
Naquelas voltas finais, Barrichello não era um piloto Ferrari.
Era um herói, brasileiro para nós,
anti-Schumacher para o resto do
mundo. Ia fazer o impossível, ser
mais rápido que o alemão com o
mesmo carro. Uma esperança juvenil, típica de quem acompanha
esporte. Torcemos pelo mais fraco, torcemos pelo cachorro morto,
torcemos pela Lituânia contra o
Dream Team e sua arrogância.
A tantos metros do fim, o desenho acabou. A F-1 real, da grana
e dos contratos, se impôs. Barrichello, dentro do carro, sabia que
não estava em uma película e tirou o pé. Como escreveu o colega
Fábio Seixas, neste espaço, na semana passada, jurou como um
mafioso e cumpriu. Pelo mesmo
motivo, Schumacher acelerou.
Também havia feito o juramento:
"team orders". Ordens do time.
Barrichello e Schumacher, antes
de esportistas, foram soldados.
Talvez por ser novo na facção, o
brasileiro nem se deu conta do
que havia acontecido, ficou feliz
por ter sido alçado pelo companheiro ao posto mais alto do pódio. O alemão, beneficiado, logo
que ouviu as vaias do público percebeu o tamanho da bobagem.
Brawn, Todt e Montezemolo
nunca irão admiti-la. São executivos, trabalham o mito ferrarista
como negócio. Enzo Ferrari, creio,
faria igual. Dizem que não, mas
acho que o vêem também como
mito, à prova de defeitos.
Só que o público preferiu se
manter no desenho. Barrichello, o
mais fraco, foi o mais rápido, deveria vencer e ponto. De nada
adianta explicar que a F-1 é, como disse Schumacher, um esporte
de equipes. Que seus carros são
obrigados a ter a mesma pintura
por causa disso. E que quando
eles são vermelhos, o piloto, mesmo sendo o melhor, é detalhe.
Não adianta escrever que quem
acreditou em uma vitória de Barrichello no domingo pouco entendia de F-1 ou se deixou levar pela
fantasia juvenil que por vezes a
categoria desperta. Que tudo isso,
por mais absurdo que pareça, é
um esporte e tem sua lógica.
A mesma noção de justiça que
absolveu Senna de jogar o próprio
carro em Prost para ser campeão
nunca absolverá a Ferrari.
Desculpa
Dizem que a ordem partiu de Luca Montezemolo. Duvido. É bem
mais provável que tenha saído da cabeça de Jean Todt, o sujeito
que já decidiu o vencedor de um Paris-Dacar na moedinha. O presidente da Ferrari, pressionado pela maior crise da história da Fiat,
no máximo avalizou. E não poderia fazer diferente. Quebraria toda
a hierarquia e a estrutura montada para fazer de Schumacher o
maior campeão da história da F-1.
Desculpa da desculpa
Os times britânicos aproveitam a crise financeira e agora moral da
F-1 para lançar outra empresa para comprar os direitos da categoria do falido grupo Kirch. Tudo bem que a Ferrari deu a deixa, mas
é esse tipo de coisa que pode mandar a F-1 para o espaço de vez.
Sem desculpa
Schumacher perdeu a chance de limpar a ficha.
E-mail mariante@uol.com.br
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