São Paulo, sábado, 18 de maio de 2002

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FUTEBOL

As duas seleções

JOSÉ GERALDO COUTO
COLUNISTA DA FOLHA

A seleção brasileira tem dupla personalidade. Talvez seja melhor dizer que há duas seleções diferentes e opostas no grupo de Scolari: uma que quer atacar e encantar, outra que quer apenas impedir o adversário de jogar.
De um lado, está o capitão Emerson, totalmente afinado com o treinador, arauto do pragmático antijogo que impeça à força os adversários de chegarem ao gol brasileiro.
Do outro lado, um punhado de jogadores talentosos, voltados pela própria natureza para um futebol mais franco e alegre: os Ronaldos, Rivaldo, Denílson, Edílson, Kaká e Juninho.
Do meio para trás, os tratores; do meio para a frente, os artistas. É possível montar um time assim? Se for, qual das duas filosofias prevalecerá?
Pelo histórico de Scolari nos clubes e pelas declarações de Emerson, deveríamos esperar uma frota de tratores, combativa e pouco brilhante. Mas o elenco escolhido não se enquadra bem nesse script.
O problema, a meu ver, é que Scolari e Emerson abraçam uma concepção antiga e superada de sistema defensivo. Ninguém deseja tomar gols, mas fazer faltas não é sinônimo de segurança na defesa. Muito pelo contrário.
A contraposição "futebol-arte" x "retranca brucutu" perdeu a validade faz tempo. Não é preciso evocar a seleção da Copa de 82 como modelo a ser contraposto à furada filosofia Scolari.
Basta pensar no Corinthians de Parreira, técnico louvado pelo treinador da seleção pela eficiência e pelos resultados.
Ora, o Corinthians foi o time menos vazado do Rio-São Paulo cometendo o menor número de faltas do torneio. Só nas finais da Copa do Brasil, contra o ótimo Brasiliense, quando já estava esgotado física e mentalmente, o time de Parreira começou a fazer muitas faltas, ao mesmo tempo que errava mais passes.
Aliás, as duas coisas estão intimamente ligadas. Quem erra muitos passes tem que correr atrás do adversário. Chega atrasado e apela para as faltas.
Mesmo nos piores momentos da disputa contra o Brasiliense, Parreira dizia a seus zagueiros e volantes que não "rifassem" a bola. Sabia que a melhor maneira de se defender é manter a bola sob controle, fazendo o adversário correr.
Há uma inversão de valores na concepção de Scolari -que, infelizmente, é hoje também a de um grande número de torcedores brasileiros.
Acreditar, por exemplo, que o Brasil perdeu da Itália em 82 porque ninguém fez falta em Paolo Rossi é o mesmo que dizer que Maradona só brilhou na Copa de 86 porque faltou alguém que lhe baixasse o sarrafo. Quem sabe, se um Emerson estivesse em campo, a história daquela Copa seria diferente. Para pior, é claro.
Nunca torci contra o Brasil "a priori", fosse por motivos políticos, por divergências táticas ou qualquer outro motivo. Mas, se o time entrar em campo disposto a parar o jogo adversário a todo custo, com "faltas táticas" ou o que for, torço contra a seleção sem a menor culpa.
Antes que o leitor me condene, peço-lhe que pense no caso Schumacher-Barrichello. Será que todos os alemães deveriam aplaudir a infame vitória de Schumacher na Áustria, só pelo fato de ser seu compatriota?
Minha torcida pela seleção brasileira vai depender de qual Brasil, dos dois descritos acima, vai entrar em campo durante a Copa do Mundo de 2002.

Título suado
O Corinthians, depois de "matar um leão a cada três dias", suou para empatar com o Brasiliense. Contra a bem armada equipe do DF, os corintianos mostraram-se fatigados, possibilitando a toda hora a retomada da bola pelo rival. Só depois do empate a força da camisa se fez sentir: o Brasiliense ficou assustado, como a criança que se dá conta de repente de que, caminhando, chegou muito longe de casa e quer voltar.

Fiel e consciente
A torcida alvinegra viajou mais de mil quilômetros para assistir à final da Copa do Brasil, numa "invasão" em ponto menor, comparada com a de 1976 no Maracanã. Durante a volta olímpica, a Fiel improvisou o coro: "Ei, ladrão,/ o Timão é campeão", numa referência ao senador cassado Luiz Estevão, dono do Brasiliense. Depois dizem que futebol é alienação.

E-mail jgcouto@uol.com.br



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