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FUTEBOL
As duas seleções
JOSÉ GERALDO COUTO
COLUNISTA DA FOLHA
A seleção brasileira tem dupla personalidade. Talvez seja melhor dizer que há duas seleções diferentes e opostas no grupo
de Scolari: uma que quer atacar e
encantar, outra que quer apenas
impedir o adversário de jogar.
De um lado, está o capitão
Emerson, totalmente afinado
com o treinador, arauto do pragmático antijogo que impeça à força os adversários de chegarem ao
gol brasileiro.
Do outro lado, um punhado de
jogadores talentosos, voltados pela própria natureza para um futebol mais franco e alegre: os Ronaldos, Rivaldo, Denílson, Edílson,
Kaká e Juninho.
Do meio para trás, os tratores;
do meio para a frente, os artistas.
É possível montar um time assim?
Se for, qual das duas filosofias
prevalecerá?
Pelo histórico de Scolari nos clubes e pelas declarações de Emerson, deveríamos esperar uma frota de tratores, combativa e pouco
brilhante. Mas o elenco escolhido
não se enquadra bem nesse script.
O problema, a meu ver, é que
Scolari e Emerson abraçam uma
concepção antiga e superada de
sistema defensivo. Ninguém deseja tomar gols, mas fazer faltas
não é sinônimo de segurança na
defesa. Muito pelo contrário.
A contraposição "futebol-arte"
x "retranca brucutu" perdeu a validade faz tempo. Não é preciso
evocar a seleção da Copa de 82 como modelo a ser contraposto à furada filosofia Scolari.
Basta pensar no Corinthians de
Parreira, técnico louvado pelo
treinador da seleção pela eficiência e pelos resultados.
Ora, o Corinthians foi o time
menos vazado do Rio-São Paulo
cometendo o menor número de
faltas do torneio. Só nas finais da
Copa do Brasil, contra o ótimo
Brasiliense, quando já estava esgotado física e mentalmente, o time de Parreira começou a fazer
muitas faltas, ao mesmo tempo
que errava mais passes.
Aliás, as duas coisas estão intimamente ligadas. Quem erra
muitos passes tem que correr
atrás do adversário. Chega atrasado e apela para as faltas.
Mesmo nos piores momentos da
disputa contra o Brasiliense, Parreira dizia a seus zagueiros e volantes que não "rifassem" a bola.
Sabia que a melhor maneira de se
defender é manter a bola sob controle, fazendo o adversário correr.
Há uma inversão de valores na
concepção de Scolari -que, infelizmente, é hoje também a de um
grande número de torcedores
brasileiros.
Acreditar, por exemplo, que o
Brasil perdeu da Itália em 82 porque ninguém fez falta em Paolo
Rossi é o mesmo que dizer que
Maradona só brilhou na Copa de
86 porque faltou alguém que lhe
baixasse o sarrafo. Quem sabe, se
um Emerson estivesse em campo,
a história daquela Copa seria diferente. Para pior, é claro.
Nunca torci contra o Brasil "a
priori", fosse por motivos políticos, por divergências táticas ou
qualquer outro motivo. Mas, se o
time entrar em campo disposto a
parar o jogo adversário a todo
custo, com "faltas táticas" ou o
que for, torço contra a seleção sem
a menor culpa.
Antes que o leitor me condene,
peço-lhe que pense no caso Schumacher-Barrichello. Será que todos os alemães deveriam aplaudir a infame vitória de Schumacher na Áustria, só pelo fato de ser
seu compatriota?
Minha torcida pela seleção brasileira vai depender de qual Brasil, dos dois descritos acima, vai
entrar em campo durante a Copa
do Mundo de 2002.
Título suado
O Corinthians, depois de
"matar um leão a cada três
dias", suou para empatar
com o Brasiliense. Contra a
bem armada equipe do DF,
os corintianos mostraram-se
fatigados, possibilitando a toda hora a retomada da bola
pelo rival. Só depois do empate a força da camisa se fez
sentir: o Brasiliense ficou assustado, como a criança que
se dá conta de repente de que,
caminhando, chegou muito
longe de casa e quer voltar.
Fiel e consciente
A torcida alvinegra viajou
mais de mil quilômetros para
assistir à final da Copa do
Brasil, numa "invasão" em
ponto menor, comparada
com a de 1976 no Maracanã.
Durante a volta olímpica, a
Fiel improvisou o coro: "Ei,
ladrão,/ o Timão é campeão",
numa referência ao senador
cassado Luiz Estevão, dono
do Brasiliense. Depois dizem
que futebol é alienação.
E-mail jgcouto@uol.com.br
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