São Paulo, sexta-feira, 18 de junho de 2004

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FUTEBOL

Por que chora Pelé

MÁRIO MAGALHÃES
COLUNISTA DA FOLHA

Acordei meio de bode e busquei o controle remoto. Queria ver a corrida do Canadá. O que a TV mostrou foi o Pelé saindo com a tocha do Maracanã. Esquecera: a F-1 seria à tarde. Antes que eu terminasse de coçar os olhos, o gênio do futebol desabou em choro. Buscou um ombro amigo e anônimo. Recém-operado de um descolamento de retina, chorou de soluçar.
Como soluçou, molecote, na Copa de 58, quando pela primeira vez derramou diante do planeta as lágrimas que o marcariam como atleta emotivo. Raiava ali, na emoção de Pelé, o luminoso domingo do Rio como anfitrião do fogo olímpico. Festa junina na cidade, dor-de-cotovelo em arraiais nem tão distantes.
A última vez que assistira ao seu pranto convulsivo fora no Faustão. Revelara-se que uma empresa com seu nome se apropriara de US$ 700 mil movimentados em torno de um evento beneficente para o Unicef da Argentina que nunca aconteceu.
A firma que ficou com a grana era homônima à que Pelé controlava no Brasil. Sediada em paraíso fiscal, fora omitida ao fisco por ele e seu então sócio Hélio Viana. Ministro dos Esportes, o ex-jogador assinara um contrato com o Unicef como avalista da offshore. Firmara outro como presidente da tal companhia. Seu advogado o informara dos US$ 700 mil em caixa. Sugeria que a Pelé Sports & Marketing Inc. embolsasse tudo e nada repassasse ao fundo da ONU para o qual arrecadaram-se os dólares. Assim foi feito.
Tudo isso, jurou Pelé, sem ele saber. Empresa no exterior? Estava por fora. Pôs o rolo na conta do sócio com que rompera. Prometeu que escolheria a dedo os parceiros dali em diante. E chorou no Faustão. Apresentou as novas credenciais: associou-se ao reverendo Moon na promoção de um torneio "pela paz". O projeto mexia com milhões. Prepostos de Pelé contaram que ele foi ludibriado e não recebeu o devido.
Na jogada na Coréia estava também um colaborador do ex-ministro que saiu em sua defesa no caso Unicef. Por uma coincidência danada, o amigo anda sumido do Brasil desde a publicação de algumas sentenças nas mais de mil ações contra ele e um negócio seu do ramo de saúde.
Há um ano, noticiou-se que Pelé reconheceu num processo ser dono de outra offshore jamais declarada. Um porta-voz esclareceu: o Rei não sabia. Logo montou uma lista de feras de todos os tempos em que Romerito barrou Gérson. Na festa da Fifa em Londres, apareceu com o colaborador que anda sem dar as caras por aqui, agora anunciado como funcionário da empresa Pelé Pro.
Pelé encarna a nossa tragédia. De um lado, o talento inigualável, o melhor do mundo. O país que deu certo, o sucesso. A generosidade de oferecer o milésimo gol às crianças. O amigo que todo mundo quer.
De outro, o antípoda. Ouvi ontem: como se ao vestir o terno virasse o contrário do cara bacana de uniforme e agasalho esportivos. É a sina brasileira. Talvez não faltem motivos para chorar.

Zidane e Petkovic
Nos gols de falta de Zidane e Petkovic no domingo, viu-se a diferença do cracaço para o jogadoraço. A cobrança do francês contra a Inglaterra saiu como um canhão. Na do sérvio diante do Palmeiras, menos eficiente, a bola foi mais lenta. Como diria o idiota da objetividade, o gol vale igual.

Árbitro de peso
Impressionante o perfil rechonchudo do árbitro Héber Lopes, que apitou Flamengo x Vitória. Parece cada vez mais gordo. Qual o limite de peso estabelecido pela CBF?

A saída de Kajuru
Se a crítica a Aécio Neves dá demissão quando o neto de Tancredo é governador, imagine se ele um dia chegar à Presidência.

E-mail
mario.magalhaes@uol.com.br


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