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A era da inocênciaNa Coreia do Sul, torcedores não conseguem esconder sua ingenuidade futebolística
FÁBIO SEIXAS
ENVIADO ESPECIAL A SEUL
É uma torcida em estado
bruto, puro. De uma inocência tão grande, mas tão grande, que aplaude até o técnico
quando ele aparece na tela.
Inocência pintada de vermelho, azul e branco nos rostos dos torcedores que chegam em grandes turmas à
Seul Plaza, muitos vindos de
faculdades e escritórios.
O horário do jogo é perfeito, 20h30. Dá tempo de deixar o trabalho, parar nas barraquinhas pelo caminho para comer uma porção de
deugbokgi (massa à base de
arroz, com molho picante) e
caminhar até a praça, ali
mesmo, no centro, um dos
principais pontos de encontro da capital sul-coreana.
Inocência dos idosos que
estendem suas esteiras no
gramado e, pacientemente,
aguardam o início do jogo.
Das meninas que circulam de
shortinho e umbigo de fora
pelo público sem serem perturbadas. Dos garotos que
usam máscaras com a estampa do ídolo, Park Ji-sung.
Inocência que os leva a
cantar animadamente, antes, durante e depois do jogo.
Que, no aquecimento, faz o
locutor/animador de auditório puxar um corinho de
"Don't cry for me, Argentina". Que explode fogos de artifício quando Kihun chuta a
bola para fora e o ângulo da
TV dá a impressão de gol.
Que, enfim, torna o apelido "Red Devils", Diabos Vermelhos, uma enorme ironia.
Na sétima parada da série
"Um Mundo que Torce", a
Folha acompanhou, em
Seul, o duelo entre Coreia
do Sul e Argentina. A reportagem e um mar vermelho.
Segundo estimativas da
polícia, 2 milhões de pessoas
saíram às ruas da cidade, ontem à noite, para torcer pela
seleção. O ponto de maior
concentração foi a Seul Plaza: 300 mil torcedores assistiram (ou não) ao jogo nos
quatro telões de alta definição montados no local.
Do palco, não era possível
enxergar o fim da multidão.
Chifrinhos vermelhos piscavam ao infinito, por todas as
avenidas ao redor da praça.
Comandados pelo animador, os donos e donas dos
chifrinhos gritavam "Daehanminguk" (República da
Coreia). O hit número dois da
torcida, em ritmo do clássico
gay "Go West", era "Pilseung
Korea", ou "Vitória, Coreia".
"Poderia ver em casa, mas
aqui é mais divertido", diz
Kim Da-hye. "É tranquilo.
Segurança? Não, não é uma
preocupação", conta Jo Hye-jin. Ambas estudantes, ambas com 21 anos.
O jogo torna-se apenas
mais um convidado da festa.
Para os sul-coreanos, ainda bem. Porque, depois de
verem o time fazer 2 a 0 na
Grécia, na primeira rodada,
ontem foram goleados: 4 a 1.
"Jogamos bem, mas a Argentina tem um time muito
forte. O nosso próximo jogo é
com a Nigéria, então temos
chances de ir para as oitavas", diz o torcedor Lee
Kwang-ho, bandana com as
cores do país na cabeça.
Fim de partida, e aplausos
dos 300 mil aos derrotados.
Perto do palco, Hong
Seong-rae, 60, prepara-se
para ir embora. Tira um grande saco plástico do bolso e
começa a enchê-lo com as
garrafinhas de água, embalagens de salgadinho, com todo o lixo ao redor, enfim.
"Sempre faço isso, é um
hábito. Se o lixo é meu, quero
eu mesmo recolher. Ninguém me pediu, faço porque
é certo", afirma, como que
estranhando a pergunta.
É uma torcida em estado
bruto, puro.
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