São Paulo, sexta-feira, 18 de junho de 2010

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A era da inocência

Na Coreia do Sul, torcedores não conseguem esconder sua ingenuidade futebolística

FÁBIO SEIXAS
ENVIADO ESPECIAL A SEUL

É uma torcida em estado bruto, puro. De uma inocência tão grande, mas tão grande, que aplaude até o técnico quando ele aparece na tela.
Inocência pintada de vermelho, azul e branco nos rostos dos torcedores que chegam em grandes turmas à Seul Plaza, muitos vindos de faculdades e escritórios.
O horário do jogo é perfeito, 20h30. Dá tempo de deixar o trabalho, parar nas barraquinhas pelo caminho para comer uma porção de deugbokgi (massa à base de arroz, com molho picante) e caminhar até a praça, ali mesmo, no centro, um dos principais pontos de encontro da capital sul-coreana.
Inocência dos idosos que estendem suas esteiras no gramado e, pacientemente, aguardam o início do jogo. Das meninas que circulam de shortinho e umbigo de fora pelo público sem serem perturbadas. Dos garotos que usam máscaras com a estampa do ídolo, Park Ji-sung.
Inocência que os leva a cantar animadamente, antes, durante e depois do jogo. Que, no aquecimento, faz o locutor/animador de auditório puxar um corinho de "Don't cry for me, Argentina". Que explode fogos de artifício quando Kihun chuta a bola para fora e o ângulo da TV dá a impressão de gol.
Que, enfim, torna o apelido "Red Devils", Diabos Vermelhos, uma enorme ironia.
Na sétima parada da série "Um Mundo que Torce", a Folha acompanhou, em Seul, o duelo entre Coreia do Sul e Argentina. A reportagem e um mar vermelho.
Segundo estimativas da polícia, 2 milhões de pessoas saíram às ruas da cidade, ontem à noite, para torcer pela seleção. O ponto de maior concentração foi a Seul Plaza: 300 mil torcedores assistiram (ou não) ao jogo nos quatro telões de alta definição montados no local.
Do palco, não era possível enxergar o fim da multidão. Chifrinhos vermelhos piscavam ao infinito, por todas as avenidas ao redor da praça.
Comandados pelo animador, os donos e donas dos chifrinhos gritavam "Daehanminguk" (República da Coreia). O hit número dois da torcida, em ritmo do clássico gay "Go West", era "Pilseung Korea", ou "Vitória, Coreia".
"Poderia ver em casa, mas aqui é mais divertido", diz Kim Da-hye. "É tranquilo. Segurança? Não, não é uma preocupação", conta Jo Hye-jin. Ambas estudantes, ambas com 21 anos.
O jogo torna-se apenas mais um convidado da festa.
Para os sul-coreanos, ainda bem. Porque, depois de verem o time fazer 2 a 0 na Grécia, na primeira rodada, ontem foram goleados: 4 a 1.
"Jogamos bem, mas a Argentina tem um time muito forte. O nosso próximo jogo é com a Nigéria, então temos chances de ir para as oitavas", diz o torcedor Lee Kwang-ho, bandana com as cores do país na cabeça.
Fim de partida, e aplausos dos 300 mil aos derrotados.
Perto do palco, Hong Seong-rae, 60, prepara-se para ir embora. Tira um grande saco plástico do bolso e começa a enchê-lo com as garrafinhas de água, embalagens de salgadinho, com todo o lixo ao redor, enfim.
"Sempre faço isso, é um hábito. Se o lixo é meu, quero eu mesmo recolher. Ninguém me pediu, faço porque é certo", afirma, como que estranhando a pergunta.
É uma torcida em estado bruto, puro.


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